O deputado David Miranda (RJ) tem sido alvo de ataques da esquerda por trocar o PSol pelo PDT, o que será sacramentado no mês que vem — período para a mudança de siglas. O parlamentar decidiu deixar a legenda por não concordar com o apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Casado com o jornalista Glenn Greenwald, um dos responsáveis pela série de reportagens da "Vaza-Jato", que revelou diálogos entre o ex-juiz Sergio Moro — hoje pré-candidato ao Planalto pelo Podemos — e o então procurador Deltan Dallagnol nos processos contra Lula. Nesta entrevista, Miranda comenta sobre a saída do PSol, os ataques que tem sofrido e o clima político no país:
Saiba Mais
Saída do PSol
"Não houve nenhuma ruptura com o PSol, apenas um afastamento gradativo por conta de discordâncias de ordem político-ideológica, que acabaram se aprofundando recentemente com a indecisão do partido a respeito do lançamento de uma candidatura própria e com a aproximação com PT, a possibilidade de apoiar a candidatura de Lula já no primeiro turno. Eu sempre estive alinhado ao MES (Movimento Esquerda Socialista), que é a corrente do partido mais crítica ao lulopetismo. (...) Além disso, acredito que o partido, hoje, acaba sendo fortemente influenciado por um identitarismo um tanto descolado da realidade material, da luta de classes."
Escolha pelo PDT
"Eu me interessei pelo PDT e pelo legado do trabalhismo — sobre o qual ainda tenho muito a aprender, e o qual pretendo ajudar a atualizar. (...) Escolhi ir para o PDT em março justamente pela oportunidade de me renovar e renovar o próprio partido, atrair uma nova militância e formar novos quadros, especialmente com jovens, negros, da favela. Além disso, espero que no PDT eu tenha mais espaço e oportunidade para dialogar com outros campos políticos para conseguir avançar concretamente em pautas e projetos importantes e urgentes para os mais pobres, algo que nem sempre era possível no PSol, onde o diálogo com aqueles que pensam diferente nem sempre é muito bem-visto por alguns setores do partido."
Combinação perigosa
"Se a política é a arte de dialogar com quem pensa diferente, de construir consensos onde antes havia somente dissenso, de aprender a viver junto, então, temos, de certa forma, uma prática política 'despolitizada'. (...) A não política unida ao identitarismo ao qual eu me referi antes é uma combinação perigosa, porque leva a uma personificação da política por meio de figuras messiânicas, tanto na direita quanto na esquerda. E aqui não estou, de forma alguma, comparando Lula a Bolsonaro. Não há comparação possível entre um genocida e um líder político que jamais ameaçou a democracia e promoveu diversos avanços importantes para o Brasil — os quais minhas críticas e discordâncias não me impedem de reconhecer. Eu me refiro a uma lógica de personificação de líderes políticos e que, agora, parece ter uma outra camada: uma identificação de partes do eleitorado com essas figuras, uma forma de afiliação, que passa a integrar a própria identidade das pessoas e que, no limite, leva ao fanatismo."
Esquerdistas e bolsonaristas
"O modus operandi de um pequeno grupo da esquerda não é representativo do todo, mas age de forma fanática, tal qual a direita bolsonarista: com disseminação de fake news, autoritarismo, calúnias, ofensas pessoais e demonização de indivíduos em vez de debate de ideias e discordância ideológica. Para esse grupo, qualquer um que expresse discordância é um traidor ou um fascista, tal qual para a direita bolsonarista qualquer um que discorde de suas ideias é um 'comunista'. Paradoxalmente, se de um lado não se pode debater, questionar ou discordar dentro do campo da esquerda, por outro, parte do campo progressista assiste calado à articulação de pactos eleitorais com aqueles que, até ontem, eram chamados de golpistas e inimigos. Obviamente que eu entendo e concordo com a necessidade de superar o bolsonarismo e a ameaça que representa à nossa democracia, mas isso deve mesmo se dar a qualquer custo? Quais os limites éticos, políticos e ideológicos de tais arranjos eleitorais?"
Apoio a Ciro Gomes
"Apoiarei Ciro Gomes para a Presidência. Acredito que Ciro seja o único candidato capaz de superar a polarização atual. E há uma coisa muito interessante em grande parte de sua militância e eleitorado, que é a defesa de um projeto e não dele enquanto pessoa."
Ataques da esquerda
"Eu e Glenn, infelizmente, já estamos de certa forma 'acostumados' aos ataques. Eles nunca pararam completamente. (…) Ainda assim, é realmente muito triste ver militantes de esquerda adotando esse tipo de comportamento, inclusive disseminação de fake news e comentários de viés racista e homofóbico."