As negociações dos partidos de esquerda para formar uma federação partidária continuam sem definição mesmo após a terceira reunião, realizada nesta quinta-feira (10/2), na sede do PSB, em Brasília. Lideranças do PT, PCdoB, PV e o presidente nacional da legenda, Carlos Siqueira, estiveram presentes.
A falta de uma conclusão vai na esteira da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que ampliou o prazo até maio para que os partidos pudessem chegar a um acordo e está incutida no pragmatismo partidário, regionalização e alianças históricas. Durante a coletiva, após a reunião, Siqueira afirmou que a sigla abriu mão de uma candidatura própria em Pernambuco, mas São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Espírito Santo ainda estão em negociação. Entretanto, ele evitou divulgar os pontos de inflexão entre os líderes.
O caso paulista é complicado. O ex-presidente Lula (PT) já declarou que o partido nunca esteve tão próximo de governar o Palácio dos Bandeirantes — pois o ex-governador Geraldo Alckmin deverá integrar a chapa - e pretende lançar o ex-prefeito Fernando Haddad (PT). Por lá, os petistas encontrarão no meio do caminho o ex-governador Márcio França (PSB), que não está disposto a largar a candidatura, agora com reais chances de vitória em 2022.
De acordo com o cientista político Valdir Pucci, a falta de análise pela classe política para a implementação das federações que não avaliaram o longo prazo gerou este imbróglio, pois há uma eleição municipal no meio. "Há ainda o Centrão, que funciona pela lógica de estar sempre no poder", disse. Um exemplo disso é a Bahia, onde o PT é aliado do Centrão. O estado é governado pelo petista Rui Costa, mas o vice-governador é o Progressistas João Leão, partido que no momento faz parte da base do governo Jair Bolsonaro (PL). Pucci ainda explicou que apesar do aumento no prazo dado pelo STF, isso não significa muito, pois o problema não é tempo, mas o desenho do projeto.
Já para o professor titular de Ciência Política e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre a Qualidade da Democracia do Instituto de Estudos Avançados da USP, José Álvaro Moisés, os pedidos de mais tempo devem ser vistos como meios de os partidos enfrentarem as definições mais importantes demandadas pela lei das Federações, algo novo no universo eleitoral (perfil ideológico, programa de atuação, estatutos, repartição de recursos). “Uma inovação como essa demanda debate e discussão para definir o modo de funcionamento. É normal os partidos pedirem mais tempo e isso não é exclusivo da esquerda”, explicou Moisés.
Em conversa reservada, um interlocutor do PSB adiantou ao Correio que o ponto de inflexão não são os regionalismos, mas a autonomia partidária para as decisões internas, já que a proposta do PT visa a representatividade na Câmara dos Deputados — o partido tem a maior bancada da esquerda no Congresso. A contraproposta do PSB é a partir do número de prefeituras, neste quesito, PT têm 179 e o PSB pouco mais de 240. Os outros partidos tentarão buscar um rearranjo. O material distribuído à imprensa confirmou a proposta pelas prefeituras.
De acordo com professor de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP) Roger Leal, há outros problemas envolvendo as negociações, pois o rompimento dentro de uma legislatura implica em ficar duas eleições sem poder se federar, além do impacto para o uso do fundo partidário, até que se esgote a vigência da federação, ao qual o partido poderá usar apenas o montante disponível na primeira eleição. Leal explicou que a Constituição defende e estimula a formação de novos partidos, uma resposta ao do regime militar. "As federações partidárias têm como um de seus principais efeitos abrandar o impacto das mudanças constitucionais promovidas pela Emenda Constitucional [EC] 97/2017 que veda as coligações. Sob essa perspectiva, preserva-se o modo de fazer política anterior, salvaguardando, o domínio de redutos e práticas clientelistas que ainda remanesçam", explicou Leal.
Entretanto, Moisés explicou que as regras não são necessariamente contraproducentes aos interesses políticos. “É preciso considerar que podem ser uma saída tanto para partidos ameaçados de não alcançar a cláusula de barreira instituída em 2022 [representação mínima de 2% nas eleições] como podem oferecer uma solução para a enorme fragmentação partidária que existe no Brasil”. Para ele, a quantidade de partidos é o atrapalha os eleitores, os deixando confusos em face de tantos partidos sem grande diferença entre eles –, como também a governabilidade. “Em princípio, a possibilidade de termos uma Federação na esquerda – reunindo PT, PSB, PV, PCdoB e outros -, outra no centro – PSDB, MDB e Cidadania –, e todas em face do novo partido da direita, União Brasil, resultante da fusão do PSL e do DEM pode ser algo novo e positivo na política brasileira. Facilitaria a escolha dos eleitores e tornariam mais claras as opções programáticas e ideológicas do sistema partidário”, destacou. Para ele, os rumos dessas negociações é que darão o tom de algo que ainda não aconteceu na história política brasileira.
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