Os Poderes da República retomaram as atividades esta semana com a reafirmação de que estão comprometidos com a democracia brasileira. Esse manifesto em defesa dos princípios sacramentados pela Constituição Federal tem especial significado neste ano, quando milhões de brasileiros vão indicar nas urnas quais representantes deverão assumir funções no Executivo e no Legislativo.
Considerando-se as teorias conspiratórias tão caras à ideologia bolsonarista — como a suspeita de que houve invasão nos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral em 2018 —, é reconfortante ver o presidente dessa corte, ministro Luís Roberto Barroso, reiterar a confiança na urna eletrônica e na Justiça Eleitoral. Não é pouca coisa: caberá ao TSE legitimar a vitória da disputa presidencial que promete ser mais virulenta do que a ocorrida em 2018. Em diversas ocasiões, Bolsonaro pôs em dúvida a higidez do sistema eleitoral. Uma das últimas manifestações ocorreu no mês passado, quando expôs a sua narrativa de 2018. "Estávamos à beira do socialismo, um país mergulhado em corrupção. Um país parecendo que não tinha um norte. Quis Deus que eu, sobrevivendo a uma facada, de um integrante do PSol, também conseguisse, sem partido, sem marqueteiro e sem televisão… ganhamos as eleições, que era para ter ganho no primeiro turno, se fossem umas eleições limpas no primeiro turno", disse, em um evento em Macapá.
A estratégia de Bolsonaro em relação ao Judiciário não se limita à Corte Eleitoral. Tem como alvo principal a mais alta instância da Justiça. Em outra declaração recente, o presidente explicitou a vontade de tornar o Supremo Tribunal Federal uma caixa de ressonância de sua agenda moral e política. "Mais importante do que eleição para presidente são as duas vagas para o Supremo no ano que vem", disse ontem a apoiadores na porta do Alvorada. Em dezembro, deixou claras suas motivações. "Hoje em dia não mando nos dois votos do Supremo, mas tem dois ministros que representam, em tese, 20% daquilo que gostaríamos que fosse decidido e votado dentro do Supremo Tribunal Federal", alegou, desejando uma "renovação" na Corte.
Está claro, pois, que o chefe do Planalto enxerga o Judiciário um instrumento para fazer valer suas convicções. Tudo se resumiria, segundo essa perspectiva, a um embate político-ideológico a ser travado no plenário do STF, desconsiderando-se a letra da Constituição e a independência entre os Poderes. Ataques ao Judiciário não são uma obsessão exclusiva de Bolsonaro. Em Como as democracias morrem, os autores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt descrevem os estratagemas dos governantes de tendência autocrática em cooptar membros do Judiciário ou criar mecanismos - como, por exemplo, alterar o número de integrantes da Corte — para tornar a luta política favorável nos tribunais.
No retorno aos trabalhos, integrantes do Legislativo também juraram fidelidade à democracia. O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), defendeu que a manutenção dos princípios democráticos em ano eleitoral é condição sine qua non para a preservação de outros marcos civilizatórios, como a tolerância, o respeito às minorias e a liberdade de imprensa.
Tudo muito correto e necessário. Mas o Congresso é movido por outros anseios. O jogo das alianças partidárias, com desdobramentos nos palanques estaduais e na formação das bancadas para 2023, é que concentra as atenções dos parlamentares. Nesse ponto, pode-se dizer que Bolsonaro está mais à vontade — por enquanto. Até o momento, ele segue fechado com o Centrão, que coordena a estratégia da reeleição do presidente e o rol de candidatos nas disputas regionais. Aqui não há espaço para odes à democracia. É preto no branco. Quem ganha e quem perde nas urnas. Nada de nova política. Pelo contrário: é a velha política com todas as letras.
Há de ser uma vã ilusão acreditar em renovação política em 2022. Mas, a julgar pelas palavras de integrantes do Judiciário e do Legislativo, ao menos que se preserve a democracia, único regime possível para o Brasil superar momento tão crítico.
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