No discurso da sessão de abertura dos trabalhos do Judiciário nesta temporada, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, pediu tolerância e estabilidade em meio ao ano eleitoral e fez ponderações sobre como a política e as eleições despertam paixões "acerca de candidatos, de ideologias e de partidos", mas destacou não haver mais espaço para "violência contra as instituições públicas". O magistrado afirmou, ainda, que a democracia não deve dar lugar a disputas baseadas no "nós contra eles" — que já foi bordão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A maior parte dos recados foi direcionada ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que, ao longo do mandato, ataca decisões e integrantes da Corte, além de ter colocado em dúvida a segurança do sistema de urnas eletrônicas. O destinatário dos recados, porém, não estava presente à cerimônia. Bolsonaro foi a São Paulo visitar as áreas atingidas pelas chuvas (leia reportagem na página 6).
Fux ressaltou, também, a importância da liberdade de imprensa. "É imperioso que não olvidemos que, entre lutas e barricadas, vivemos um Brasil democrático, um Estado de direito, no qual podemos expressar nossas divergências livremente, sem medo de censuras ou retaliações", destacou. "Nesse cenário, o império da lei, a higidez do texto constitucional brasileiro e a liberdade de imprensa reclamam estar acima de qualquer que seja o resultado das eleições."
O recado de Fux ocorre em meio a mais uma crise entre Bolsonaro e o Supremo, uma vez que o chefe do Executivo faltou ao depoimento que deveria prestar à Polícia Federal (PF), na sexta-feira, sobre vazamentos de informações sigilosas do inquérito que apura ataque hacker ao sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O ministro enfatizou que o funcionamento pleno da sociedade depende da capacidade dos "líderes" de unir pensamentos opostos e de indagações diárias sobre "como fazer mais pela sociedade".
"Para fazermos as engrenagens de uma sociedade cada vez mais interdependente e complexa girarem como uma sinfonia perfeita, precisamos, mais do que nunca, de líderes que estejam atentos a essas transformações e que sejam capazes de engajar ações coletivas, congregar pensamentos opostos e inspirar colaboração recíproca em pequena e grande escalas", mencionou.
Ele citou Canção de Tamoio, de Gonçalves Dias, que fala em "luta renhida" e perene.
Sobre a pandemia, o presidente do STF frisou o papel da vacinação como esperança para o fim da crise sanitária, lamentou as mais de 600 mil mortes causadas pela covid-19 no país e sustentou o papel da Corte em decisões sobre o tema.
"Com a vacinação em massa e a progressiva ampliação do conhecimento médico sobre o vírus, a letalidade da covid-19 tem arrefecido e, embora ainda não possamos prever quando a pandemia terá fim, especialmente com a ascensão das novas variantes, impõe-nos visualizar luz onde outrora havia apenas escuridão", disse.
De acordo com Fux, "o enfrentamento da pandemia nos fez enxergar que, para além das nossas diferenças, todos nós somos integrantes da mesma teia social e dependemos radicalmente uns dos outros, não apenas para sobrevivermos, mas também para sermos livres e autônomos como cidadãos de sociedades democráticas".
De acordo com o presidente do STF, a pauta de julgamentos da Corte, neste primeiro semestre, continuará "dedicada às agendas da estabilidade democrática e da preservação das instituições políticas do país; da revitalização econômica e da proteção das relações contratuais e de trabalho; da moralidade administrativa; e da concretização da saúde pública e dos direitos humanos afetados pela pandemia, especialmente em prol dos mais marginalizados sob o prisma social".
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Especialistas se dividem
Especialistas ouvidos pelo Correio divergem sobre a força do discurso do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, na defesa da democracia e das eleições gerais de outubro.
O cientista político Antonio Testa classificou como longas e prolixas as declarações de Fux. "Na minha opinião, foi apenas um discurso gerencial. É claro que, como presidente do STF, tende a proteger a Corte. Nada de novo. Apenas reabriu o STF para fazer o mesmo de sempre. Nada muda", disse. "Discurso apaziguador, que é estilo do Fux. Mas o que ele falou foi vago e destacou que não vai querer estar no meio desse embate."
A advogada Andrea Costa, sócia do Loureiro, Costa e Sousa Advogados, também frisou o tom apaziguador do discurso, mas enfatizou que o ministro manteve a postura da Corte de agir com firmeza quando necessário. "Deixou muito claro que o STF não tolerará ataques ao regime democrático e às instituições políticas, expressando, claramente, que não serão aceitas ameaças às eleições, ao seu resultado ou aos eleitos", afirmou.
Para o cientista político André Rosa, o conteúdo do discurso do ministro aponta, sim, para um STF rigoroso, sobretudo em relação à campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro. "Quando o ministro salienta a questão referente à violência, traz consigo as ameaças que já foram feitas à própria instituição pelo chefe do Executivo", sustentou. "Quando se levanta a suspeita deliberada de que as urnas eletrônicas não são seguras, o presidente deixa subentendido que as próprias instituições estão construindo um levante para destituí-lo do cargo. Logo, não é apenas descredibilizar as urnas, é uma forma de desacreditar a própria instituição TSE e também o STF. O resultado dessa narrativa de desconstrução impacta diretamente no comportamento do eleitor, que tenderá a ser mais combativo e, por vezes, violento."
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