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Análise: 2022, o ano que começou angustiante

Em 2022, os brasileiros precisarão decidir se querem eleitos que façam o que é necessário — e duro — para reerguer o Brasil de sucessivas calamidades, ou se preferem continuar a assistir a decadência de um país.

O primeiro mês deste ano se despede do calendário, e o fôlego já começa a faltar. Como não prender a respiração ao ver um bloco de rocha desabar sobre uma lancha, batizada de "Jesus", e levar 10 almas para as profundezas das águas? Como ficar impassível ante os temporais que destruíram estradas, casas, sonhos, trabalho de anos de brasileiros? Onde encontrar forças e saúde mental para enfrentar a variante ômicron, mensageira da hora de uma pandemia que convive conosco desde 2020 e se mostra inclemente? E o que dizer dos movimentos contrários à vacinação das crianças, proibidas, durante dois anos, de ter uma experiência tão fundamental como ir à escola? Na economia, basta dizer que a inflação e os juros altos permanecem a castigar os brasileiros. A carestia e a desigualdade, agravadas pela pandemia, empurraram para as ruas milhões de famílias, aumentaram a legião de miseráveis e famélicos nas cidades.

Sabemos todos que 2022 não seria, não será um ano fácil. Mas a realidade brasileira nos lembra, de maneira implacável e cruel muitas vezes, que será preciso paciência, força e fé — alguns chamam de resiliência — para cumprir a travessia. Os episódios citados acima ficarão registrados na história de 2022 — assim como a omissão dos poderes que permitiram a ocorrência de calamidades como essas. Todos acompanharam a negligência das autoridades de Capitólio-MG em relação aos riscos de acidentes geológicos na região frequentada por turistas. As ações emergenciais para ajudar as vítimas das chuvas se limitaram a essa função. Foram somente medidas emergenciais. Nada foi discutido, nem será discutido para prevenir que a tragédia se repita em 2023. Nenhum ação concreta para reduzir os efeitos extremos do clima, uma das prováveis causas dos eventos violentos da natureza.

A irresponsabilidade das autoridades não termina aí. Tal qual um vírus, a desinformação contamina o enfrentamento da pandemia de covid-19. No momento em que o país retomava terreno na batalha contra o inimigo que matou 620 mil brasileiros, o ministério que tem o dever de servir de referência para a população emite sinais trocados. Alardeia que distribuiu 400 milhões de doses de vacina, mas divulga "notas técnicas" com teor negacionista. Enquanto o ministro faz malabarismos retóricos para encontrar uma coerência imaginária entre medicina e política, seus assessores agem na burocracia para questionar a eficácia de imunizantes que interromperam as cenas de horror nos hospitais e cemitérios do Brasil. Os fatos são inquestionáveis: a vacinação é essencial. Agências reguladoras respeitadas pelo mundo, com respaldo da ciência, recomendam a imunização de crianças. Mas os negacionistas se dizem atacados na sua liberdade. Ignoram o direito constitucional de uma criança à saúde. Que tempos.

Mais cedo ou mais tarde, chegará o momento em que todos esses anseios serão colocados em debate pela nação. Os brasileiros vão avaliar se os governantes de plantão merecem permanecer no posto que ocupam por mais quatro anos. Ou se devem ceder o lugar a quem convencer o eleitorado de que consegue fazer mais e melhor pelo país. Em 2022, os brasileiros precisarão decidir se querem representantes eleitos que façam o que é necessário — e duro — para reerguer o Brasil das sucessivas calamidades, ou se preferem continuar a assistir à decadência política, econômica, social e moral do país. Na arena política, a questão mais relevante é saber se algum candidato terá a chance de romper a polarização entre o governante da situação e seu antagonista de 2018, desta vez em condições de concorrer à presidência da República. Independentemente da disputa eleitoral, no entanto, as urgências do país ultrapassam qualquer divergência partidária. O Estado brasileiro está exaurido, com mais de 95% do orçamento comprometido com despesas obrigatórias. Os efeitos da pandemia na economia, na educação, na saúde se estenderão por anos. O desafio é incomensurável, inescapável. Para todos nós.

Como parte da democracia, os candidatos terão a oportunidade de anunciar aos eleitores o que pretendem face a perspectiva tão grave. Caberá a nós identificar, em meio à realidade e às fake news, entre agressões verbais e até discussões em família, entre a razão e a insensatez, quem terá condições de virar esta página melancólica do Brasil. Será a oportunidade de registrar 2022 na história como um ano que começou angustiante, mas terminou com um fio de esperança.

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