O bolsonarismo perdeu seu ideólogo. O escritor Olavo de Carvalho morreu na madrugada de ontem, aos 74 anos, em Richmond, no estado da Virgínia (EUA). A causa do obito não foi divulgado, mas, segundo uma de suas filhas, Heloísa, ele foi vítima da covid-19, diagnosticada no último dia 15. Porém o médico particular de Olavo, Ahmed Youssif El Tassa, negou e afirmou que a morte foi devido a uma insuficiência respiratória aguda associada a uma pneumonia bacteriana e a uma infecção generalizada. Olavo deixa a mulher, Roxane, oito filhos e 18 netos.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) decretou luto oficial em homenagem a Olavo, conforme publicado na edição extra do Diário Oficial da União (DOU). Pelas redes sociais, lamentou a morte do escritor e afirmou que ele era um "farol para milhões de brasileiros". "Seu exemplo e seus ensinamentos nos marcarão para sempre", escreveu Bolsonaro.
O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) também homenageou o escritor e disse que sua partida "deixa uma lacuna no pensamento brasileiro". Os filhos do presidente também foram às redes sociais lamentar a morte de Olavo.
Mas o escritor também recebeu severas críticas. Uma delas do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que lembrou o negacionismo de Olavo em relação à covid-19. "Negou o vírus, escarneceu dos mortos, não se vacinou, morreu do vírus e será sepultado na Terra redonda. Mas, ainda assim, ao contrário dele, não festejo sua morte. Lamento todas as mortes e as vítimas da covid e deploro ainda mais o negacionismo que as provocou", criticou.
O deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), ex-bolsonarista, cobrou do presidente homenagens aos mortos na pandemia. "Bolsonaro sobre as crianças que morreram de covid: 'insignificantes'. Sobre personalidades que morreram: silêncio", disse, no post de luto de Bolsonaro.
Já o perfil da Câmara dos Deputados no Twitter se desculpou por "curtir" uma publicação da página intitulada "Morte", que ironizava o falecimento do escritor. A publicação dizia: "Olavo de Carvalho. Check". Minutos depois, a Equipe de Comunicação da Câmara disse que "houve equivocadamente uma interação e que, após detectada, o erro foi imediatamente corrigido".
O Palácio do Planalto, que não comentou nenhuma das mortes nos meios artísticos e intelectuais do país nos últimos três anos — a mais recente, da cantora Elza Soares, aos 91 anos, foi ignorada —, publicou uma nota lembrando do escritor. Foi assinada conjuntamente pelo governo federal, pela Secretaria Especial da Cultura e pela Secretaria Especial de Comunicação Social.
Apesar das homenagens, Olavo se distanciou do governo e fazia críticas a Bolsonaro — mais recentemente chegou a se considerar um "poster boy", cuja imagem foi usada pelo presidente para se eleger. Ainda assim, disse que votaria em Bolsonaro em outubro por "falta de opção".
A morte do escritor repercutiu na imprensa internacional, que o classificou como "controverso" e "negacionista". O The Guardian se referiu a ele como "negacionista do coronavirus", e mentor de Bolsonaro e da direita radical brasileira.
Entre julho e agosto do ano passado, Olavo foi internado três vezes no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (InCor). Ele era cardiopata e, nesse período, foi submetido a diversos tratamentos, uma cirurgia na bexiga e um cateterismo de emergência. Fumante, em abril de 2021 o escritor foi internado, nos EUA — onde mora desde 2005 —, para tratar de problemas respiratórios.
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Memória
Polêmicas e palavrões
Com a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da República, o escritor Olavo de Carvalho foi elevado à condição de ideólogo do governo. Na primeira versão do ministério, contava com seguidores fiéis, como o ex-chanceler Ernesto Araújo e o ex-ministro da Educação Abrahan Weintraub — que substituiu Ricardo Vélez Rodriguez, indicação de Olavo para a "guerra cultural" que ele e seus seguidores enxergavam que deveria ser travada. Com o escritor, voltaram à tona questões sepultadas há décadas, como o comunismo, e ganhou força o preconceito com a China. Desbocado, Olavo se envolveu em várias polêmicas — relembre algumas.
A covid realmente existe? — Olavo não apenas menosprezava o novo coronavírus como não acreditava nas estatísticas de mortes e infecções em todo mundo. Enxergava uma grande conspiração com vistas a tirar a liberdade das pessoas. "Essa pandemia simplesmente não existe. Na verdade, você não tem um único caso confirmado de morte por coronavírus", disse. O Youtube retirou o vídeo por conter informações falsas.
Acusação de pedofilia — Em 2017, o cantor e compositor Caetano Veloso ingressou com uma ação contra Olavo por tê-lo chamado de pedófilo nas redes sociais. Olavo foi condenado a pagar quase R$ 3 milhões ao artista. Apesar da morte do escritor, a Justiça decidiu que Caetano poderá continuar com a execução da sentença e receber a indenização.
A terra é plana — Olavo chegou a reforçar o terraplanismo, contrariando todas as evidências científicas. "Não estudei o assunto da terra plana. Só assisti a uns vídeos de experimentos que mostram a planicidade das superfícies aquáticas. Não consegui encontrar, até agora, nada que os refute", escreveu em maio de 2019.
De novo o sexo — Pouco antes das eleições de 2018, Olavo publicou que o então candidato a Presidência pelo PT, Fernando Haddad, era incentivador do incesto. "Estou lendo um livrinho do Haddad onde ele defende a tese encantadora de que para implantar o socialismo é preciso derrubar primeiro o tabu do incesto. Kit gay é fichinha. Haddad quer que os meninos comam suas mães", publicou. A publicação foi excluída.
"Rompimento" com Bolsonaro — Em junho de 2020, Olavo fez duras críticas ao presidente. Em vídeo, reclamou da falta de apoio do governo. "E o que Bolsonaro fez para me defender? Bosta nenhuma. Aí vem com 'condecoraçãozinha'", afirmou, desfiando uma sequência de palavrões. Há poucos dias, disse que o presidente o usou como um "poster boy" — ou seja, utilizou sua imagem para chegar ao poder.