No ano em que consolidou a entrada do Centrão no governo, entregando a Casa Civil a um representante do grupo, o presidente Jair Bolsonaro pagou um volume recorde de emendas parlamentares. Foram R$ 25,1 bilhões que saíram dos cofres públicos em 2021 para serem aplicados em redutos eleitorais de deputados e senadores. Mesmo com a correção da inflação, o número representa um aumento de R$ 1,4 bilhão em relação ao ano anterior.
A cifra foi turbinada pelo orçamento secreto, esquema em que o Palácio do Planalto direciona dinheiro aos congressistas em troca de apoio nas votações de seu interesse no Legislativo. A prática foi considerada irregular no mês passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que condenou o uso político dos recursos.
Os números mostram como o Parlamento ampliou seu controle sobre o Orçamento da União ao longo dos anos. O processo começou antes de Bolsonaro, mas acelerou muito durante o governo atual. Os R$ 25,1 bilhões efetivamente pagos em emendas em 2021 representam 3/4 dos R$ 33,4 bilhões que foram empenhados (quando o dinheiro é reservado na peça orçamentária), índice acima de anos anteriores, segundo os dados do Siga Brasil, sistema do Senado que permite acompanhar a execução do Orçamento federal.
Neste ano, quando boa parte dos parlamentares vai disputar as eleições, o valor previsto é ainda maior, de R$ 37 bilhões. E, para não correr o risco de esse dinheiro ser represado, Bolsonaro assinou decreto, no último dia 13, tirando do Ministério da Economia e dando à Casa Civil a palavra final sobre a gestão orçamentária. Na prática, caberá ao ministro Ciro Nogueira, mandachuva do PP, o maior partido do Centrão, liberar os recursos.
As emendas são indicações feitas por parlamentares de como o Executivo deve gastar parte do dinheiro do Orçamento. Elas incluem desde obras de infraestrutura, como a construção de uma ponte, por exemplo, até valores destinados a programas de saúde e educação.
Votações
Apesar de Bolsonaro ter sido eleito com o discurso de que não praticaria o toma lá, da cá — liberação de verbas e cargos em troca de apoio parlamentar —, os números também mostram que, no ano passado, ele usou a prática comum na política brasileira: acelerou a liberação de dinheiro quando precisou de apoio de deputados e senadores. O caso mais evidente foi na votação da PEC dos Precatórios, medida para abrir caminho à criação do Auxílio Brasil, programa social que o chefe do Executivo vai usar como bandeira eleitoral para tentar a recondução ao cargo. Na véspera da votação, em novembro, o governo destinou R$ 1,2 bilhão dos cofres públicos para atender aos interesses dos congressistas. O valor oferecido por interlocutores do Planalto pelo voto de cada parlamentar foi de até R$ 15 milhões.
Além disso, o governo priorizou aliados até na hora de liberar as chamadas emendas individuais, que garantem a mesma quantia para todos os congressistas. Parlamentares de partidos do Centrão, como o PL — ao qual Bolsonaro se filiou —, o Republicanos e o PP, tiveram pagos cerca de 70% dos valores destinados a eles. Em contrapartida, legendas de oposição e mais críticas ficaram para trás. PCdoB (44%), Novo (34%) e PSol (31%) foram os que menos tiveram recursos liberados em relação ao total aprovado. PT, DEM e PSL aparecem no meio do caminho.
Parlamentares da base argumentaram que usam as emendas para irrigar programas capitaneados pelos próprios ministérios, o que agiliza o pagamento. Além disso, os governistas foram os que mais indicaram recursos pelas transferências especiais, apelidadas de "emenda cheque em branco" e "PIX orçamentário", modalidade em que o dinheiro vai direto para a conta das prefeituras. O mecanismo é mais uma forma nebulosa de deputados e senadores enviarem recursos públicos para suas bases eleitorais. "Os ministérios atendem a todo mundo, não consigo ver essa distorção toda", afirmou o deputado governista Vaidon Oliveira (Pros-CE), que, em três meses, conseguiu empenhar 99% de suas emendas.
Velocidade
Os números mostram que quem é aliado ao governo recebeu antes. As emendas começaram a ser liberadas em maio, após o atraso na aprovação do Orçamento de 2021. Até julho, PTB, Pros, MDB, PSD, Republicanos, PL, PP e DEM formaram o grupo de deputados que mais tiveram emendas empenhadas. Esses garantiram mais da metade dos recursos em três meses. "Não me sinto perseguido, mas sei que (as liberações de emendas) não andam na velocidade que andariam se eu fosse da base", frisou o líder do Novo na Câmara, Paulo Ganime (RJ).
No Senado, onde a base do governo é menor, também é possível ver diferença: parlamentares do DEM, com maioria governista, tiveram o maior volume de emendas pagas: 85%. O Podemos, crítico ao Executivo, ficou na lanterna, com 45%.
A Secretaria de Governo disse que os números descritos no levantamento "não procedem" com o Tesouro Gerencial, sistema mantido pelo Executivo. As informações do Siga Brasil, porém, são oriundas da mesma base de dados. Questionada, a pasta não forneceu as informações que o governo dispõe.