Cinco dos sete ministérios que receberam verbas do orçamento secreto em 2021 ignoram decreto do presidente Jair Bolsonaro (PL) que tem por objetivo dar transparência às indicações de recursos por parte de políticos. A norma foi assinada pelo chefe do Executivo em 9 de dezembro.
Ao contrário do que determina o decreto, Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia, Cidadania e Agricultura não divulgam em suas páginas na internet documentos com a comunicação entre as pastas e o relator-geral do Orçamento. É por meio dessas tratativas que o Congresso aloca recursos do orçamento secreto, a pedido de políticos da base do governo.
A falta de transparência no uso das emendas do relator-geral levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a determinar, também em dezembro, a publicidade dos documentos relacionados às demandas e à execução das emendas. O decreto de Bolsonaro teve o objetivo, em tese, de cumprir a decisão da Corte. Mas, mesmo nos ministérios que começaram a divulgar documentos, ainda há falta de informações detalhadas sobre quem é autor dos pedidos de repasses.
Duas das pastas que ignoraram o decreto de Bolsonaro estão entre os que mais receberam verbas do orçamento secreto em 2021. O Ministério da Saúde empenhou (reservou) R$ 7,6 bilhões em recursos das emendas de relator e o Ministério da Agricultura recebeu empenhos da ordem de R$ 1,1 bilhão.
Após questionamento da reportagem, a Agricultura publicou, na quarta-feira, um link genérico para a Plataforma Brasil, que centraliza informações sobre convênios do governo, mas não tornou públicas as comunicações com o relator do Orçamento. "Em breve, essas informações também estarão disponíveis nesta página", diz o site da pasta. Já o Ministério da Cidadania disse que pretendia publicar as informações nesta semana, o que não ocorreu. Os demais não responderam.
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De acordo com o decreto assinado por Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, os ministérios deveriam publicar "as solicitações que justificaram as emendas do relator-geral". Essas informações deveriam ser "organizadas de acordo com as programações orçamentárias correspondentes" e "divulgadas nos sítios eletrônicos de livre acesso dos respectivos ministérios", na forma da Lei de Acesso à Informação.
Até o momento, só as pastas da Defesa e do Desenvolvimento Regional cumpriram, em parte, o decreto. O Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho, porém, forneceu informações de forma desorganizada, em documentos não editáveis, com e-mails repetidos e tabelas cortadas, o que, em muitos casos, inviabiliza a identificação do parlamentar responsável pelas indicações. Além disso, o MDR não deixa claro que indicações foram acatadas e resultaram no repasse de recursos.
Já a Defesa deu transparência às indicações datadas do ano de 2020, diretamente enviadas por senadores — os pedidos dos congressistas somam R$ 193 milhões. Apesar disso, a pasta não apresentou, por exemplo, os nomes "por trás" do relator-geral de 2021, senador Marcio Bittar (PSL-AC), que indicou R$ 543 milhões.
Pelo decreto de Bolsonaro, o Ministério da Economia também deveria publicar a lista dos "links" nos quais as demais pastas incluíram as informações, o que não aconteceu. A Economia disse que a divulgação ocorrerá "tão logo (as páginas) sejam informadas pelos órgãos executores".
No caso do MDR, porém, a falta de transparência é maior em relação às indicações feitas antes da decisão do STF e do decreto. Até agora, a pasta não expôs os documentos que recebeu do Congresso com indicações dos mais de R$ 8 bilhões que executou de emendas do relator. A pasta empenhou, só em dezembro de 2020, mais de R$ 3 bilhões para apoiadores da candidatura de Arthur Lira (PP-AL) à Presidência da Câmara.
A desobediência ao decreto presidencial pode acarretar sanções para os responsáveis, segundo o advogado Bruno Morassutti, uma vez que a norma tem a finalidade de regulamentar o cumprimento da Lei de Acesso à Informação (LAI) e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) pelos ministérios em relação às RP9 (código usado para identificar as emendas de relator).
"O Tribunal de Contas da União analisa todos os anos as contas dos ministérios, e um dos critérios é justamente o cumprimento da LAI e da LRF", observou o advogado. "Portanto, se o ministério não trouxer argumentos técnicos razoáveis para não estar cumprindo o decreto do presidente, os responsáveis pela pasta, os ministros, podem ter as contas rejeitadas ou julgadas com ressalvas", afirmou.