Representantes de pelo menos 40 carreiras do funcionalismo público saíram às ruas, em Brasília, para cobrar reajuste salarial de até 28% e centraram ataques no ministro da Economia, Paulo Guedes, e no presidente Jair Bolsonaro. Mas a decisão sobre aumento para servidores públicos está nas mãos, na verdade, do Centrão. O grupo de sustentação do governo recebeu do chefe do Executivo a chave do cofre da União e dará a última palavra sobre a destinação de recursos do Orçamento de 2022.
O governo tem até sexta-feira para sancionar o Orçamento, que reserva R$ 1,7 bilhão para reajuste salarial apenas de integrantes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), que são base de apoio do Executivo. Para fechar as contas, portanto, será necessário cortar R$ 9 bilhões em despesas. E o Centrão já avisou que vai turbinar o Fundo Eleitoral, dos R$ 4,9 bilhões previstos na peça orçamentária, para R$ 5,7 bilhões (leia reportagem na página 3). Para conceder reajuste aos servidores, seria preciso cortar mais despesas ou buscar novas fontes de receita.
O funcionalismo está irredutível na mobilização por aumento salarial. Além dos atos de ontem, ameaça greve geral no mês que vem, se não for atendido. Se fosse concedido o reajuste de até 28%, a folha de pessoal da União cresceria mais de R$ 80 bilhões por ano. Seriam despesas permanentes.
Pela manhã, o protesto ocorreu em frente ao Banco Central. De tarde, a mobilização foi à porta do Ministério da Economia. Segundo balanço dos organizadores, os dois atos reuniram, no total, cerca de mil manifestantes.
Os atos foram liderados pelo Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), que reúne 37 categorias da elite do funcionalismo público; e pela Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), representante do carreirão — que engloba cerca de 80% dos funcionários federais.
Na abertura do primeiro ato, no estacionamento do BC, o presidente do Fonacate, Rudinei Marques, disparou contra o titular da equipe econômica. "O ministro Paulo Guedes chama os servidores de parasitas, diz que vai colocar uma granada no bolso dos servidores. Pois bem, hoje (ontem) é o dia de o serviço público federal devolver a granada para o bolso do ministro Paulo Guedes. Que se exploda o ministro que não acredita no seu país, que tem dinheiro aplicado em paraísos fiscais", discursou.
Ele também defendeu a saída de Guedes. "Um ministro que não acredita na sua economia não tem condições de ficar à frente de um ministério tão importante, que deveria estar trabalhando para a retomada do desenvolvimento nacional", frisou. De acordo com Marques, os servidores não vão mais tolerar o tratamento que vêm recebendo. "São cinco anos de congelamento salarial, são três anos de ataques e agressões aos servidores públicos. É o momento de dizer basta."
No segundo ato, em frente ao Ministério da Economia, os manifestantes também miraram em Guedes, enfatizando que o ministro "vai cair". Marques disse que "ninguém merece reajuste diferenciado" e criticou Bolsonaro. "O presidente da República desrespeita os servidores ao sinalizar positivamente a recomposição para uma categoria, não cumprindo a ordem constitucional e de normas internacionais de tratar a todos com respeito e igualdade", sustentou.
De acordo com Marques, o Fonacate — representante de 37 categorias do funcionalismo — enviou ofício a Guedes, no qual reitera o pedido de reunião, por videoconferência ou presencial, a fim de tratar da pauta salarial. O documento destaca que as perdas inflacionárias dos servidores federais — acumuladas desde 2017, para 80% dos servidores; e desde 2019, para os demais — corroeram cerca de 1/4 do poder aquisitivo.
Ao fim das mobilizações, Marques fez um balanço positivo. "Mesmo nesse contexto de pandemia, tivemos em torno de mil pessoas entre Banco Central e Ministério da Economia. Milhares de servidores acompanhando nas redes sociais", contou. "Algumas capitais realizaram atos, como Belo Horizonte, João Pessoa, Rio de Janeiro e Salvador."
Procurados, o Ministério da Economia, o Banco Central e a Receita Federal não quiseram se pronunciar.
Saiba Mais
Judiciário
A Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário e do Ministério Público da União (Fenajufe) anunciou que tem reunião marcada para amanhã com a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF). A magistrada substituiu o presidente da Corte, Luiz Fux, neste período de recesso.
Coordenador de administração e finanças da entidade, Fernando Freitas disse que a reunião ocorrerá de forma virtual. "Os coordenadores da Fenajufe levarão as pautas do setor do Judiciário, da União e do Ministério Público da União. Então, como o projeto de iniciativa tem que ser por meio do Judiciário, nós vamos levar até a ministra. Esse pedido é de todos. São mais de 120 mil servidores em todo o Brasil", frisou.
Elite lidera a pressão
As carreiras de servidores federais que fazem maior pressão por reajuste salarial são as que custam mais para os cofres públicos e têm salários maiores.
Auditores fiscais da Receita Federal e do Trabalho, peritos criminais federais, delegados da Polícia Federal (PF), advogados da União e analistas do Banco Central (BC) estão no topo da lista das 22 carreiras mais bem remuneradas do Executivo, segundo levantamento do Estadão.
Com remuneração anual entre R$ 380,38 mil (auditores da Receita) e R$ 341,1 mil (analista do BC) e salário médio entre R$ 26,2 mil e R$ 29,2 mil, essa elite do funcionalismo puxou a fila da articulação política de mobilização depois que o presidente Jair Bolsonaro acenou com aumento só para categorias policiais.
A remuneração final da elite, porém, na maioria das vezes é mais elevada, porque os dados não consideram bonificações. A lista não contempla servidores do Judiciário e do Legislativo, pois as informações para esses dois Poderes são menos transparentes. No topo da lista, estão os 7.860 auditores da Receita, seguidos por 2.014 auditores fiscais do Trabalho, com remuneração anual de R$ 372,24 mil.
As 22 categorias do levantamento, com 119 mil servidores ativos e inativos, incluindo pensionistas, custaram, em 2021, R$ 33,3 bilhões. Desses servidores, 55,1 mil estão na ativa, com custo superior a R$ 15 bilhões. A folha dos demais 44,03 mil aposentados e 20,57 mil pensionistas teve peso maior (R$ 18,3 bilhões).
Entre os servidores que ganham menos, estão os do chamado Plano Geral do Poder Executivo Federal (PGPE), de nível médio e superior. Os PGPEs e carreiras correlatas somam 396.771 servidores — um terço da força de trabalho do Executivo. Os servidores da educação (professores e técnicos) são em número ainda maior (419.477), o correspondente a 36% do funcionalismo. Os servidores com salário mais baixo são maioria entre 1,3 milhão de funcionários públicos.