O artigo do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega sobre a política econômica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na verdade um resumo do que pensa o grupo de economistas que o assessoram, desconectou o projeto petista do colapso econômico do governo Dilma Rousseff em 2015, o que despertou grande polêmica entre analistas e economistas. Ao mesmo tempo, demarcou claramente a candidatura de Lula como um projeto de esquerda, que batizou de social-desenvolvimentista, e não de centro-esquerda.
A narrativa de Mantega emula com o discurso nacional-desenvolvimentista do candidato do PDT, Ciro Gomes; ao mesmo tempo, aparta o projeto petista dos setores que defendem uma política social-liberal e de plena integração à economia mundial, o que pode facilitar a vida dos demais candidatos que lutam por um lugar ao sol na chamada terceira via: Sergio Moro (Podemos), João Doria (PSDB), Simone Tebet (MDB), Rodrigo Pacheco (PSD) e Alessandro Vieira (Cidadania). Essa agenda conta com certo consenso entre os agentes econômicos, porém, não sensibiliza o eleitorado, porque não enfrenta o problema das políticas públicas universalistas, do desemprego, da precarização do trabalho e das injustiças sociais.
A aliança entre setores social-democratas, liberais e conservadores comprometidos com o Estado democrático de direito foi o eixo do governo de Fernando Henrique Cardoso, mas hoje não se materializa, porque nenhuma liderança foi capaz de traduzi-la em termos programáticos e eleitorais. Em tese, Moro, Doria, Tebet, Pacheco e Vieira são nomes que poderiam representá-la, unindo os setores centristas e moderados de esquerda e direita, mas nenhum desses candidatos até agora se revelou capaz de fazê-lo. Qual a razão? Há várias, dependendo do candidato.
No caso de Moro, sua narrativa lava-jatista afasta naturalmente os políticos profissionais, principalmente os enrolados ou chamuscados pela crise ética. Doria enfrenta o carma de ser um político com cabeça, tronco e membros de paulista, e uma forte dissidência partidária, principalmente em Minas e no Rio Grande do Sul. Tebet sinaliza a ocupação de espaço pelas mulheres, mas a cúpula do seu partido é especialista em cristianizar seus candidatos. Pacheco não tem a menor chance de viabilizar a candidatura sem unir Minas em torno do seu nome; Vieira pertence a um pequeno partido, cuja sobrevivência depende da formação de uma federação com outra legenda mais forte.
Entretanto, como diria o Barão de Itararé, se dependesse dos técnicos, o besouro não poderia voar. As eleições presidenciais, desde a surpreendente ascensão de Lula ao segundo turno em 1989, mostram que um candidato sem chances aparentes pode surpreender e chegar ao Palácio do Planalto. Em 2018, foi o que aconteceu com a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Mas é preciso passar no teste de São Tomé, ou seja, nessas eleições, é preciso ver para crer.
Polarização
O artigo de Mantega sinalizou uma preocupação muito simétrica à do presidente Jair Bolsonaro, ou seja, consolidar a atual polarização eleitoral, demarcando o terreno já ocupado com uma narrativa ideologicamente definida. Uma espécie de carimbo no passaporte para o segundo turno, facilitada pela fragmentação eleitoral dos setores políticos que defendem um projeto alternativo a ambos, com uma narrativa nem-nem. A candidatura de Ciro Gomes, num eventual segundo turno, baldearia votos para o ex-presidente Lula, mesmo que o pedetista resolva se mandar para Paris. Processo semelhante pode ocorrer com a base eleitoral de Moro, profundamente antipetista, que poderia também transferir grande parte dos seus votos para Bolsonaro no segundo turno, mesmo com Moro tomando outro rumo.
Restam Doria, Tebet, Pacheco e Vieira, que têm mais afinidades programáticas do que diferenças. Quem dos quatro poderia ter mais adensamento eleitoral, considerando, agora sim, os seus pontos fortes? Em princípio, seria Doria, governador do maior estado do país. Mas isso não é documento, haja vista o desempenho pífio de Orestes Quércia (MDB), em 1994, e de Geraldo Alckmin (PSDB), nas eleições passadas. Tudo vai depender de quem tiver mais capacidade de tecer alianças e demover outros candidatos, e do seu posicionamento estratégico em relação aos problemas do país, além de uma narrativa eleitoral que surpreenda os adversários, seduzindo os eleitores. Por mais que Lula e Bolsonaro estejam em vantagem, ninguém ganha eleição de véspera.