O presidente Jair Bolsonaro (PL) só se mantém no cargo por causa do Centrão. Essa é a análise feita por especialistas, políticos e pela sociedade em geral. Mesmo com o negacionismo do chefe do Executivo em relação à covid-19 — causa de mais de 600 mil mortes no país —, o descaso com a política ambiental e os ataques à democracia, nenhum dos 143 pedidos de impeachment contra ele prosperou na Câmara. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), é aliado de Bolsonaro e um dos caciques do bloco partidário, que não tem ideologia definida e costuma apoiar o governo de plantão.
Acima de tudo, parlamentares do Centrão buscam se perpetuar no Congresso, com seguidos mandatos, o que garante, além de polpudos rendimentos, status político e foro privilegiado. Para garantir mais benesses, são apoiadores de ocasião de qualquer governo. Na gestão Bolsonaro, o bloco ganhou ainda mais poder, pois o presidente enfraquecido e alvo de tantos pedidos de impeachment abre os cofres para manter a base de sustentação.
Esse é um modus operandi já conhecido na política brasileira. Era contra ele que Bolsonaro prometia agir quando era candidato à Presidência da República. Na campanha, disse que acabaria com a "velha política" e se referiu ao grupo como "a nata do que há de pior no Brasil".
"Faz parte do jogo democrático. A oposição se beneficia em criticar e em bater, e quem está na base tem de levar obras, levar benefício, infelizmente, é assim", pontua um parlamentar do Centrão ao Correio, reservadamente. Neste ano eleitoral, o "jogo" tende a se acentuar. O Congresso aprovou R$ 16,5 bilhões para as chamadas emendas do relator, as RP9, que distribuem verbas do orçamento secreto. Ao contrário das emendas individuais e de bancadas, essas emendas dificultam a fiscalização das verbas públicas, por não serem administradas de forma transparente. As negociações em torno das RP9 são feitas de maneira informal entre a cúpula do Congresso e um seleto grupo de parlamentares aliados.
Com o orçamento secreto nas mãos, o Centrão tem todo o poder. Neste início de ano, a tendência, segundo parlamentares ouvidos pelo Correio, é de que mesmo os partidos da base que são mais fisiológicos permaneçam com o governo, extraindo dele tudo o que for possível e, em meados de abril, arrumem motivos para deixar Bolsonaro. Essa data deve coincidir com o início das pré-campanhas para as eleições gerais.
Agora no PL, de Valdemar Costa Neto, Bolsonaro conta — pelo menos por enquanto — com o apoio do PP de Arthur Lira e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PI), também cacique do Centrão. O político piauiense era presidente do partido e senador em exercício quando assumiu o cargo no governo. Na ocasião, mirava sair a candidato a governador do Piauí, mas interlocutores dizem que ele, agora, tem outros planos, inclusive, aliança com o PT de Lula.
Erro
Nos bastidores, integrantes do PP acreditam que Bolsonaro cometeu um erro ao não ir para o partido, já que a sigla tem mais prefeitos e vereadores do que o PL e seus principais expoentes estão na Presidência da Câmara e na chefia da Casa Civil. Já uma vertente de parlamentares demonstrou alívio, pois temia que a associação com um presidente impopular poderia comprometer sua reeleição.
Com a aparente "falta de consideração" de Bolsonaro pelo PP, as coisas podem azedar rapidamente. "Quando um carro começa a dar sinal, mostra luz de óleo, temos de mudar de postura. Essa sinalização do partido em eventos regionais, apoiando PT ou o PSDB, vejo como um sinal de alerta (para o chefe do Executivo)", disse um parlamentar ouvido pela reportagem. Outro grande erro de Bolsonaro, na avaliação do mesmo político, foi ter dado atenção demais à ideologia e de menos à boa política, já que isso prejudicou, inclusive, as relações comerciais do Brasil com outros países, como foi o caso da China.
"A situação do Brasil, neste governo Bolsonaro, está ruim: desemprego alto, recuo de investimentos. Estão todos receosos. O Centrão deve abandonar o governo já neste primeiro semestre. Muita gente quer ver o que vai acontecer com o PL. Bolsonaro vai tentar impedir a coligação de aliados da legenda em alguns estados", afirma David Fleischer, cientista político da Universidade de Brasília (UnB). Para o especialista, a única coisa que pode enfraquecer o Centrão é uma mudança no sistema eleitoral, com a proibição de coligações e redução do número de partidos.
Já o cientista político André Rosa vê grandes chances de uma renovação do Congresso Nacional, que resulte em um Parlamento mais progressista, a depender do desempenho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições. O petista lidera todas as pesquisas de intenção de voto, algumas, inclusive, apontam vitória dele no primeiro turno.
"Imaginando que teremos uma renovação grande se Lula se mantiver tão à frente nas pesquisas. É tendência de que a formação do Congresso acompanhe a formação do presidente da República. Lula, se for eleito, traz um novo espectro ideológico ao Congresso", destaca.
Conta alta
Enquanto a distribuição de emendas e o gasto descontrolado forem a principal estratégia para a reeleição e a compra de apoio político, as contas da União e, consequentemente, a economia, estarão prejudicadas. Para Nelson Marconi — coordenador do Fórum de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo —, a grave situação fiscal que o Estado enfrenta hoje é, em parte, culpa dos esforços desesperados de Bolsonaro para se reeleger.
"Esse comportamento mostra que não há compromisso, que a situação fiscal continua comprometida. Em vez de buscar melhorar a situação fiscal, ele está muito mais preocupado em comprar esse apoio do Congresso. Então, não é salutar do ponto de vista fiscal", frisa. "Para qualquer pessoa, investidor externo ou interno, está nítido que o governo abriu mão daquele suposto discurso de austeridade fiscal para comprar apoio. Isso mina a credibilidade das contas públicas."
Neste último ano de governo, portanto, há o risco de, com a aprovação da PEC dos Precatórios — que abriu espaço fiscal de mais de R$ 110 bilhões no Orçamento para despesas sociais —, a gastança dê o tom, visando a reeleição. "Essa é a tentativa clássica de tentar recuperar apoio. Ele (Bolsonaro) só veio fazer esse gasto social no último ano do governo. O ano é propício para o descontrole das despesas. Numa situação de quadro pior de política monetária, vamos ter um cenário contraditório no governo. De um lado, o Banco Central aumenta juros, de outro, o Executivo aumenta gastos", enfatiza Marconi.