A inflação nos Estados Unidos terá grande impacto na economia brasileira até as eleições, complicando ainda mais a vida do presidente Jair Bolsonaro. Mas não é um problema somente do governo atual. Quem vencer o pleito, terá que lidar com uma nova realidade, que põe em xeque estratégias tradicionais de retomada do crescimento.
Vamos por partes. No ano passado, a inflação norte-americana chegou a 7%, o maior nível desde 1982, segundo o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês). Por essa razão, analistas econômicos estão prevendo quatro aumentos trimestrais na taxa de juros, com base em declarações do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell. Durante a pandemia, a taxa esteve próxima de zero.
A principal causa da alta de preços nos Estados Unidos não difere muito do que ocorre no Brasil e em outros países: a elevação dos custos de produção devido ao encarecimento dos insumos básicos, principalmente o petróleo, que bateu os US$ 80 o barril. Outras causas são o estrangulamento logístico causado pela crise sanitária mundial, agora agravada pela rápida propagação da variante ômicron da covid-19; a escassez de mão de obra, que joga os salários para cima; e o aquecimento da economia com uma política da expansão fiscal, na qual o governo distribuiu vouchers à população e comprou títulos públicos, para injetar dinheiro no mercado.
Foram dois anos de política fiscal e política monetária "folgadas", que criaram inflação e a espalharam pelo mundo. Além disso, houve uma espécie de sequestro da demanda global pelos EUA, o que também encarece os produtos. Agora, com a guinada na política monetária anunciada pelo Fed, a alta dos juros deve atrair mais investimentos e retirar recursos dos mercados emergentes, entre os quais o brasileiro.
Como inflação no Brasil também saiu do controle, a alta dos juros pelo Banco Central (BC) será o único recurso para segurar os preços, ainda mais porque o governo Bolsonaro não respeita o chamado teto de gastos. Mas, ao contrário do que ocorre nos EUA, a elevação da taxa de juros não terá o mesmo impacto na atração de investimentos, por causa das incertezas políticas. Tudo vai ficando para depois das eleições de outubro, inclusive porque o debate sobre o desenvolvimento econômico e o controle da inflação será contaminado pelas promessas eleitorais, muitas das quais inexequíveis.
Quanto mais a oposição ataca o governo por causa da inflação, da recessão e do desemprego, mais Bolsonaro tenta manipular a economia e ampliar os gastos sociais do governo, necessários diante da tremenda crise sanitária que o país atravessa e do desemprego em massa — mas sem medidas corretivas para conter os gastos e desperdícios da máquina federal e os privilégios das corporações, principalmente as que o apoiam. O aumento da arrecadação, favorecido pela inflação, tem um efeito tóxico nos gastos.
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Conjuntura adversa
Uma das características de Bolsonaro é sua dificuldade de lidar com as novas contingências de seu governo. Foi eleito muito mais pela sorte do que por suas virtudes, mas, diante da conjuntura adversa, como diria Maquiavel a sorte bateu em retirada e, agora, há um deficit de virtudes necessárias para ele se manter no poder. É um caso clássico de governante em apuros diante das adversidades, algumas das quais agravadas por ele próprio, como é o caso da crise sanitária, por exemplo.
Voltando ao ponto de partida, porém, o impacto da alta de juros na nossa economia é uma variável sobre a qual Bolsonaro não tem o menor controle — ou seja, pode ser incluída no rol da falta de sorte. Sua estratégia neste começo de ano está toda voltada para mitigar os efeitos da crise social, com medidas como o Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa família, e o recentíssimo aumento de 33% para os professores, a ser pago principalmente por governadores e prefeitos.
O problema é que a inflação e a recessão ameaçam anular os efeitos dessas medidas no decorrer do processo eleitoral.
E a oposição? Pois bem, os candidatos de oposição estão sendo favorecidos por tudo isso, principalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, no debate eleitoral, terão que se posicionar em relação à nova situação da economia.
Lula, por exemplo, foi eleito em 2002, depois do ajuste fiscal feito por Fernando Henrique Cardoso, com o bem-sucedido Plano Real. No primeiro mandato, manteve as bases dessa política e implementou com sucesso uma política de combate à miséria. No segundo, beneficiado pelo chamado bônus demográfico e por forte expansão da economia mundial, alavancada pela China, promoveu um ciclo robusto de crescimento, somente interrompido no governo Dilma Rousseff.
A situação da economia é completamente diferente, com novos desafios também para Lula e os demais candidatos de oposição. Ciro Gomes (PDT), Sergio Moro (Podemos), João Doria (PSDB), Simone Tebet (MDB), Alessandro Vieira (Cidadania) e André Janones (Avante) estão desafiados a debater alternativas para o crescimento sustentável e o combate às desigualdades com Bolsonaro e Lula.
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