Nas Entrelinhas

Análise: Consolidação de Tebet pode sangrar candidatura de Doria

A senadora do MDB desconversa quanto às articulações com os dissidentes do PSDB, mas participou de uma reunião na semana passada na casa do senador José Aníbal (SP), com Tasso Jereissati (CE) e o ex-presidente Michel Temer (MDB)

Luiz Carlos Azedo
postado em 20/01/2022 03:00
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Não está fácil a vida do governador João Doria, pré-candidato do PSDB a presidente da República. Ontem, a Executiva do Cidadania, reunida com representantes de 24 diretórios regionais, por 17 a 3 decidiu ampliar os entendimentos para a formação de uma federação partidária e montou uma comissão para conversar também com o Podemos, o MDB e o PDT. Há resistências à candidatura de Doria no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, no Paraná, na Bahia, na Paraíba, no Distrito Federal, em Goiás, no Pará e no Amapá, estados que admitem até não coligar e disputar as eleições com chapa própria. Simpático à aliança com Doria, o presidente do Cidadania, Roberto Freire, líder histórico da legenda, defende a federação com os tucanos na perspectiva de um projeto futuro de fusão, que seria um reencontro social-democrata. Pré-candidato à Presidência, o senador Alessandro Vieira (SE) foi escolhido para coordenar as conversas da comissão com as demais legendas.

Enquanto a federação com o Cidadania está no telhado, Doria enfrenta uma articulação dos dissidentes do PSDB com a candidata do MDB, Simone Tebet (MS). Para o senador Tasso Jereissati (CE), a emedebista pode surpreender na campanha. Tebet também conta com o apoio do senador José Aníbal (SP), outro adversário de Doria que trabalha para que os aliados do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite — que disputou com Doria e perdeu as prévias do PSDB —, venham a se engajar na candidatura de Tebet. Embora Doria tenha 2% de intenções de votos e Simone, 1%, as pesquisas de opinião mostram uma rejeição muito mais alta ao governador de São Paulo: enquanto a senadora tem 5%, o tucano registra 23%.

Tebet desconversa quanto às articulações com os dissidentes do PSDB, mas participou de uma reunião, na semana passada, na casa de Aníbal, com Tasso e Michel Temer. Na ocasião, o ex-presidente da República informou que o presidente do MDB, Baleia Rossi, já havia contratado o marqueteiro Felipe Sotello, que faz a campanha do falecido prefeito paulistano Bruno Covas, para cuidar da imagem de Tebet.

Entretanto, Doria também tem seus aliados no MDB. Em São Paulo, as duas legendas formam um só bloco político, no estado e na capital. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que assumiu o cargo com a morte do titular, sempre foi aliado do PSDB. Ex-ministro da Secretaria de Governo de Michel Temer, Carlos Marun (MDB) não esconde a simpatia por um acordo entre Tebet e Doria. O tucano tem afirmado que gostaria de uma mulher como vice.

Em contrapartida, uma ala expressiva do MDB já cristianiza a candidatura de Tebet, antes mesmo da largada da campanha eleitoral. O grupo político formado pelos senadores Renan Calheiros (AL), Eduardo Braga (AM) e Jader Barbalho (PA), e os ex-senadores Eunício de Oliveira (CE) e Romero Jucá (RR), além do ex-presidente José Sarney, é tradicional aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Já o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (TO), e o senador Fernando Bezerra (PE), ex-líder do governo no Senado, apoiam a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Até agora, porém, não há manifestações públicas contra a senadora de seus colegas de Senado.

O fator Alckmin

Ontem, Lula voltou a admitir a possibilidade de o ex-governador Geraldo Alckmin vir a ser o vice na sua chapa. Foi um "chega pra lá" nos setores do PT e aliados à esquerda que estão fazendo campanha contra o ex-tucano. O ex-presidente disse que será candidato para ganhar a eleição e "não para ser protagonista", uma espécie de resposta à ala esquerda da legenda e aos aliados do PSol.

Enquanto nada se resolve, o nome de Alckmin permanece no noticiário político, o que não ocorreria se a aliança com Lula não estivesse em cogitação. Responsável pelo lançamento da candidatura de João Doria à prefeitura de São Paulo, no decorrer da campanha eleitoral de 2018, Alckmin foi cristianizado por Doria, que se aproximou de Bolsonaro e depois o apoiou no segundo turno. Para complicar ainda mais a relação, Doria resolveu filiar ao PSDB o vice Rodrigo Garcia, indicando-o como sucessor, o que frustrou as pretensões de Alckmin, num caso clássico de criatura que se volta contra o criador. E ainda criou um contencioso com a cúpula do antigo DEM, que se fundiu com o PSL no União Brasil.

O projeto original de Alckmin era ser candidato ao governo paulista, a convide do presidente do PSD, Gilberto Kassab, outro ex-desafeto. Entretanto, o ex-governador Márcio França, que foi vice de Alckmin, articulou uma aproximação do ex-tucano com Lula, na esperança de que ele venha a ser o vice na chapa presidencial, abrindo caminho para a candidatura de França ao Palácio dos Bandeirantes, com o apoio de Lula. Ocorre que o ex-prefeito Fernando Haddad teve a candidatura mantida pelo PT e a relação com o PSB se complicou, até porque há outros contenciosos regionais.

Diante do impasse, Alckmin permanece sem partido e seu nome está como charuto de bêbado na boca de Lula, o que é muito bom para os dois.

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