Numa decisão para fortalecer ainda mais o Centrão, em pleno ano eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro (PL) entregou a gestão do Orçamento de 2022 ao grupo que o sustenta politicamente. O chefe do Executivo assinou decreto, publicado no Diário Oficial da União de ontem, no qual determinou que todos os atos do Ministério da Economia na execução da peça orçamentária passarão pelo crivo da Casa Civil, comandada por Ciro Nogueira, um dos caciques do Centrão.
O decreto lista atribuições do Ministério da Economia, como abertura dos créditos autorizados na Lei Orçamentária de 2022 e remanejamento de verbas, mas prevê que "a prática dos atos está condicionada à manifestação prévia favorável do ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República". Na prática, Bolsonaro deu mais poderes a Nogueira e aumentou o desgaste do ministro da Economia, Paulo Guedes.
A movimentação do Orçamento é naturalmente administrada pelos dois ministérios, por meio da Junta de Execução Orçamentária (JEO), que define limite, remanejamentos, entre outros. Porém a execução era realizada por portarias publicadas pela Economia e, agora, Nogueira tem o poder de veto nas mãos.
Em nota, o Ministério da Economia argumentou que "não ocorreu nenhuma mudança de comando ou da execução final do Orçamento". "A medida não significa enfraquecimento do ME. Ela resulta de um consenso entre os ministérios envolvidos, visando melhorar a coordenação para o alcance dos objetivos e prioridades do governo", diz o comunicado. "Vale lembrar que a Casa Civil e o Ministério da Economia integram a Junta de Execução Orçamentária (JEO), que é a instância em que as decisões relevantes com relação à matéria orçamentária são tomadas."
Sob a condição de anonimato, parlamentares do Centrão ouvidos pelo Correio afirmam que a delegação da função à Casa Civil tem a principal missão de fazer o governo retomar o controle das verbas. "O presidente está trabalhando para ter um pouco mais de comando na aplicação de recursos, para ter um trabalho mais articulado em ano eleitoral", disse um deles. "Não é por ser o Ciro, é natural que os demais ministérios sejam coordenados pela pasta dele. A ideia é, sim, retomar o controle. Eles estão brigando entre eles."
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Decisão política
O relator-geral do Orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), disse que "esse não é um assunto do Legislativo e não tem a ver com ele". "Mas trata-se de uma decisão política." Para o congressista, por se tratar de um ano eleitoral, a briga pelo controle de recursos é mais evidente. "Temos um Orçamento que tem que ser respeitado, tem previsão da questão do teto, então, o objetivo é a execução. Não vejo problema de a Casa Civil ter mais poderes na execução do Orçamento", pontuou.
A presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso, Rose de Freitas (MDB-ES), não quis se posicionar, sob a alegação que se trata de questão interna do Executivo.
Para o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), entregar o Orçamento a Nogueira pode aumentar as chances de um descontrole de gastos neste ano. "Acho que vai ser uma anarquia completa", apostou. "Outra vez, o governo está dando mais poderes para o Centrão, tirando o poder do Ministério da Economia e colocando no colo do Centrão com o Ciro Nogueira", avaliou.
Procurada pela reportagem, a Casa Civil não retornou até o fechamento desta edição.
Prejuízo à gestão eficiente de verbas
Na avaliação de especialistas em contas públicas, a decisão do presidente Jair Bolsonaro (PL) de entregar o controle do Orçamento ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, dificultará a gestão eficiente dos recursos públicos em 2022, que é ano eleitoral. Para Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, o chefe do Executivo "fez uma cópia da chave do cofre da União" para Nogueira. Na avaliação dele, há um "vale-tudo" por causa das eleições e, agora, "o Posto Ipiranga passa a ser do Centrão".
"De fato, o regime atual é semipresidencialista. Os parlamentares que compõem a cúpula do Centrão estão governando. Como a popularidade do presidente está em queda livre, o preço do apoio político fica cada vez maior. Daí o valor de R$ 4,9 bilhões do fundo eleitoral, a cooptação de parlamentares para ampliação da base por meio dos R$ 16,5 bilhões das emendas do relator e, com o decreto, uma cópia da chave do cofre", pontuou.
De acordo com Castello Branco, "a Casa Civil, o Centrão, passa a ter acesso prévio, por exemplo, aos remanejamentos de recursos entre órgãos e grupos de despesa, certamente para preservar programas e ações das pastas de maior interesse político". "A Economia perde autonomia, e o ministro Paulo Guedes perde poder, tal como já vinha ocorrendo", acrescentou.
Muro de contenção
Gustavo Fernandes, professor da FGV EAESP, destacou que a primazia da área econômica sobre o Orçamento é regra em diversos países desenvolvidos. O Ministério da Fazenda (ou da Economia) é o chefe do Tesouro, uma espécie de muro de contenção ante interesses eleitorais. A diferença para o Brasil, segundo ele, é que quem controla o Orçamento precisa prestar contas de forma ampla e transparente, e há responsabilização severa em caso de inconsistências.
"No Brasil, o sistema político é opaco, a capacidade de o eleitor controlar o representante é pouca. Temos uma série de distorções em que o controle do eleitor sobre o político é menor", disse. "O que parece ser uma solução similar a países desenvolvidos é um sinal de menor transparência e maior uso político dos recursos públicos", acrescentou.
Fernandes enfatizou que, quando se enfraquece o Ministério da Economia, o muro contra interesses eleitoreiros desaparece. "No fim das contas, temos menor eficácia na aplicação dos recursos públicos. Escolas piores, unidades de saúde precárias, estradas, infraestrutura ruim, obras que não acabam nunca, elefantes brancos", disse.
Na opinião dele, o ministro Paulo Guedes tem "falhado na missão de zelar pelo melhor uso técnico dos recursos do Orçamento". Isso se reflete em desgaste para a equipe econômica. "A partir do momento em que ele deixa os recursos serem usados para interesse político, perde força. O decreto que favorece o Centrão é uma formalização disso. A Economia perdeu completamente a capacidade de cumprir esse papel", concluiu. (IM e CN)
Disputa acirrada por recursos
A edição do decreto que transfere a chave dos cofres da União para o Centrão ocorre às vésperas da sanção do Orçamento de 2022. Pela legislação, o presidente Jair Bolsonaro tem até o dia 21 para sancionar o texto. Como a peça orçamentária teve receitas superestimadas, o Ministério da Economia precisará passar a tesoura em gastos e remanejar recursos.
O poder dado à Casa Civil, chefiada pelo ministro Ciro Nogueira (PP), do Centrão, vem em um momento em que há grande disputa por recursos, com o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentando manter o “cofre fechado” e a ala política defendendo mais gastos, de olho nas eleições.
Além disso, coincide com uma menor transparência no uso de emendas parlamentares, em esquemas como o orçamento secreto — que destinou bilhões de reais de emendas do relator como forma de angariar apoio político no Congresso Nacional — e o “cheque em branco” — transferências especiais feitas com emendas parlamentares que vão para estados e municípios sem destinação predefinida e sem fiscalização.
Apesar de o núcleo político — que pressiona por mais gastos — ter mais poder, um integrante da equipe econômica disse que isso não deverá contribuir para aumento de despesas, já que qualquer gasto só pode ser feito com a indicação de receita correspondente e tem de caber no teto de gastos, já apertado. A avaliação é de que essas regras fiscais manterão o Orçamento sob controle e impedirão o avanço das despesas.
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