Opinião

Análise: tudo é divino e maravilhoso, apesar das incertezas de 2022

Será um ano muito duro, de grandes incertezas, mas a vida sempre vale a pena, se a alma não é pequena — desculpem-me o poético lugar comum

Luiz Carlos Azedo
postado em 01/01/2022 06:00
 (crédito:  ANDY BUCHANAN/AFP)
(crédito: ANDY BUCHANAN/AFP)

Gosto do nosso cancioneiro popular. Faz a crônica da vida como ela é, sonha com o que deveria ser. As obras de Sergio Cabral, o pai, e Rui Castro sobre o samba e a Bossa Nova, principalmente, mostram muito como a canção popular influencia e reflete o comportamento do povo. Em paciente garimpo cultural, Franklin Martins nos conta a história política da República, em três volumes, a partir da nossa música popular. Um comentário do antropólogo baiano Antônio Risério sobre a jovem Gal Costa me fez viajar aos anos duros do regime militar. No álbum Domingo, de janeiro de 1967, com Caetano Veloso, Gal escancarava a influência de João Gilberto. Já em Baby, de janeiro de 1969, com canções que antecederam a rebordosa do Ato Institucional nº 5, mostra que a Tropicália antecedeu o endurecimento do regime e o exílio de Caetano e Gilberto Gil.

Ouço Divino Maravilhoso: "Atenção Tudo é perigoso/ Tudo é divino maravilhoso/ Atenção para o refrão/ É preciso estar atento e forte/ Não temos tempo de temer a morte/ É preciso estar atento e forte/ Não temos tempo de temer a morte". Em tempos de necropolítica, o tema da morte se tornou recorrente. Já são dois anos de pandemia no Brasil, com saldo de 619 mil mortos nesta largada de 2022. Entretanto, precisamos celebrar a vida, como no célebre LP Tropicália ou Panis et Circencis, de 1968, de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Os Mutantes e Tom Zé.

O movimento influenciou Hélio Oiticica nas artes plásticas, Glauber Rocha no Cinema Novo, José Celso Martinez Corrêa no teatro brasileiro. Mexeu muito com a nossa música popular, embora tenha resultado na prisão e, depois, em três anos de exílio para a dupla Caetano e Gil.

Mesmo assim, a esperança não morreu, como aquela menina dos olhos verdes de Mario Quintana. É o nosso caso neste ano: 2022 se inicia arrastando as correntes do passado. Será um ano muito duro, de grandes incertezas, mas a vida sempre vale a pena, se a alma não é pequena — desculpem-me o poético lugar comum.

Ancoragem

Quais são as nossas grandes incertezas de 2022? A primeira é a pandemia, claro. A variante ômicron avança numa velocidade inédita pelo mundo, mas é menos letal e a vacinação em massa vem sendo eficaz para evitar internações e mortes, exceto para os não vacinados. Dessa variável sanitária resultarão o nível de atividade econômica e o fluxo das cadeias globais de comércio.

A segunda é econômica, principalmente a inflação e o nível de emprego, em razão do problema fiscal. O governo furou o teto de gastos, o Banco Central (BC) elevou os juros e os agentes econômicos seguram os investimentos. Recessão é sinônimo de agravamento da crise social, que já registra 54% da população com algum nível de insegurança alimentar.

A terceira incerteza chama-se Jair Bolsonaro. O presidente da República é imprevisível, não respeita os paradigmas da política democrática nem seus limites constitucionais. Somente a correlação de forças políticas o contém. Até que ponto ela será suficiente para resguardar as instituições democráticas?

Do ponto de vista econômico, o Brasil está ancorado nas suas contas externas, com reservas de US$ 364,2 bilhões, e na produção do setor agropecuário, que deve bater novos recordes. Entretanto, isso não resolve os problemas do povo, apenas consolida um modelo agrário-exportador e fortalece um projeto político que lembra muito a receita de Oliveira Vianna, em Populações Meridionais do Brasil. É aí que mora o perigo, Bolsonaro tem uma concepção autoritária de poder e nele pretende permanecer, para levar adiante ideias autocráticas, com apoio de um terço da população, para o qual governa.

Essa opção do presidente é uma tática para garantir um lugar no segundo turno nas eleições, meio caminho para a reeleição. Mas também pode ser uma estratégia, pois trata-se da população que o apoia para impor seus desejos e lhes garantir privilégios perante a sociedade. Bolsonaro também dispõe de uma milícia política numerosa e armada até os dentes.

E o divino e maravilhoso? São as eleições de outubro, quando o povo decidirá nas urnas qual o destino a seguir. É preciso estar atento e forte para que seus resultados sejam respeitados. Venha 2022, estamos aí!

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