O Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate) é representante das mais altas carreiras do funcionalismo público. Ontem, a categoria começou a articular uma paralisação que promete ser a maior desde o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). De acordo com o presidente da organização, Rudinei Marques, há uma insatisfação geral com a falta de previsão no Orçamento de 2022. Para ele, Bolsonaro mexeu num "vespeiro" e que o chefe do Executivo "fez o que os dirigentes sindicais não estavam conseguindo: que foi mobilizar as categorias do funcionalismo". Confira trechos da conversa com o Correio.
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Como vê a questão de ter concedido uma fatia do Orçamento apenas para uma carreira federal?
Isso pegou muito mal para todo o funcionalismo: o legislativo federal, TCU, Judiciário, Receita, todos se manifestaram. Então, essa situação criou um desconforto muito grande. Ainda que os policiais também tenham salários defasados, precisamos olhar para o conjunto do funcionalismo. Isso nos permite verificar que mais de 80% [dos funcionários públicos] estão com os salários congelados desde 2017, e agora em um contexto que a inflação está acima de dois dígitos. O último reajuste foi no início de 2019, ou seja, são três anos de defasagem. Trata-se de um milhão e cem mil servidores federais que estão com defasagem salarial entre 25% e 30%. É natural que os policiais queiram aumento, mas também é natural que os demais servidores entrem na disputa por uma fatia do Orçamento.
A medida de Bolsonaro visa reconquistar uma camada de base eleitoral. Mas o senhor acredita que vai prejudicar ainda mais a imagem do presidente com o funcionalismo?
Não dá para entender muito bem o que o governo quer fazer. Se ele usou essa medida com caráter eleitoreiro para beneficiar 40 mil servidores, ele causa indignação em mais de 1 milhão de servidores. A questão do reajuste só para policiais pode ser um jogo para o mercado. Mas isso pode ser também uma traição para os servidores da segurança pública. Depois de todas essas mobilizações, no final das contas, ele [Bolsonaro] pode dizer que não vai ter [reajuste] para ninguém ou conceder algum tipo de reajuste linear.
Ele criou uma mobilização salarial, então?
Sem dúvida. É fato que ele conseguiu pôr fogo numa campanha salarial que estava muito tímida, depois de termos vencido a PEC 32, minimizado os impactos da PEC 23, começamos uma campanha salarial, pois sabemos que existe um espaço entre 5% e 10% no orçamento. Agora, o governo tem um prazo para concessão até seis meses antes da eleição, queríamos colocar até março uma campanha salarial, mas Bolsonaro antecipou essa campanha e botou fogo. Ele [Bolsonaro] fez o que os dirigentes sindicais não estavam conseguindo, que foi mobilizar as categorias do funcionalismo.
Acredita que a mobilização será muito maior que a de nove anos atrás?
Está bem maior que a do governo Dilma. O governo Bolsonaro está reeditando os erros do governo Dilma, numa visão muito limitada do orçamento público e com autoritarismo. Dilma não queria conversar, dizia que os servidores tinham sangue azul. Bolsonaro consegue fazer pior, porque está protagonizando uma ingerência política nos órgãos de carreira e assédio moral e institucional. Basta olhar Polícia Federal, Ibama, Inpe, ICMbio. Há mais de mil casos de tentativas de interferência em órgãos públicos e de carreira. O Coaf foi o único desmembrado por conta dos casos de rachadinha e transferido para o BC. Bolsonaro ainda acabou com as mesas de negociação com os servidores. Isso é um retrocesso de mais de 20 anos na política.
Por quê?
A gente não via a falta de um reajuste remuneratório desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. Mesmo assim, naquela época ainda dialogava-se com o serviço público. Lula veio e abriu esse diálogo. O governo Bolsonaro consegue ser pior e tem uma visão muito restrita do que seja o funcionalismo público, não tem ideia da complexidade dos órgãos e não concede nenhum reajuste para o funcionalismo. O poder aquisitivo diminuiu muito, e o funcionalismo vai entrar no quarto ano sem nada. Isso tudo vem causando indignação. A situação [do orçamento] foi a gota d'água de uma revolta crescente desde o início do governo.
A debandada na Receita Federal pode se espalhar?
A Receita sempre teve esse movimento mais abrupto. Amanhã [hoje] servidores do Tesouro Nacional se preparam para entregar cargos em comissão. É possível, sim, que se alastre para outros órgãos. É um movimento crescente pois a insatisfação é muito grande e não fica restrita a apenas um órgão. Não temos uma lista [de pedidos de exoneração], mas, pela experiência, deve se intensificar.
Se o presidente conceder o aumento, vocês desistem da paralisação?
A partir daí, devemos sentar para analisar quais são os parâmetros de recomposição. A gente sabe que a inflação abriu uma possibilidade no teto remuneratório com a Emenda Constitucional 95 e deve ter espaço de 5% a 10%. O governo primeiro tem que abrir a negociação e a gente tem que avaliar a proposta com as bases. Mas essa negociação tem que se encerrar nos próximos três meses [por conta do período eleitoral].
Qual a data para iniciar a greve?
Ainda não tem data definida. Esse movimento começa na base. Temos 37 entidades associativas sindicais, não começa de cima para baixo, mas de baixo para cima. Mas é possível que, na segunda quinzena de janeiro esteja um movimento maduro para paralisação. A insatisfação é geral e não corre risco de outras categorias não aderirem.