O ano legislativo chegou ao final com uma enxurrada de textos aprovados por parlamentares da Câmara e do Senado Federal em uma corrida contra o tempo. A prioridade do Congresso nos últimos dias de 2021 era aprovar o que faltava da PEC dos Precatórios, pauta mais importante para o governo federal no segundo semestre. O texto foi promulgado e, agora, o governo terá mais de R$ 100 bilhões no Orçamento de 2022 para gastar com o Auxílio Brasil — programa social que substitui o Bolsa Família — e outras medidas voltadas para as camadas mais pobres da sociedade.
A aprovação foi um esforço conjunto dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O deputado foi o principal braço do governo no Congresso este ano e conseguiu articular para aprovar projetos, apesar das dificuldades de relacionamento do presidente Jair Bolsonaro — e de alguns dos seus auxiliares — com a Casa da qual fez parte por aproximadamente 30 anos.
Para o próximo ano, Lira sinaliza que pautará, antes que a corrida eleitoral comece, discussões complexas. Entre elas, está a da mudança do sistema de governo para o semipresidencialismo, que começaria a vigorar em 2030. Outra pauta que pode andar arrepia os conservadores, que é a do cultivo de cannabis para uso medicinal, veterinário, científico e industrial. Nos bastidores, Lira tem afirmado que o tema não pode mais esperar.
Entre partidos da base, o que se comenta é que a falta de avanço em algumas pautas tem a ver, sobretudo, com a inabilidade do governo no trato com o Congresso. Mas pesaram, também, os efeitos da pandemia, que fizeram com que os parlamentares deixassem de participar presencialmente da vida do Legislativo — na Câmara, apenas no final do terceiro trimestre se retomou o comparecimento à Casa. No rastro disso, temas relacionados à crise sanitária passaram na frente nas pautas de discussão e votação.
"A pandemia prejudicou muito o Legislativo. Com muitas discussões on-line, a gente perde o foco e aquela capacidade de articulação. Acho que até avançou bem na pandemia, tanto o Senado quanto a Câmara vêm fazendo seu papel, não atrapalhando o governo federal. Mas, a partir de agora, Bolsonaro estará concentrado em conversar com seu eleitorado mais radical", avalia o deputado Fausto Pinato (SP), vice-líder do PP na Câmara.
Recurso final
Por sinal, não foi somente o trabalho remoto que fez com que decisões parlamentares fossem proteladas. A CPI da Covid, que durou aproximadamente cinco meses, deixou Senado e Câmara de fôlego suspenso, pois muito do que foi levantado pela comissão trouxe imensos prejuízos para o governo e dificuldades para a base.
Foi a partir daí que Bolsonaro precisou lançar mão do único recurso que resta aos presidentes enfraquecidos que pretendam dar sobrevida à administração que chefiam: coligar-se ao Centrão e trazer um dos seus cardeais para o coração do governo — no caso, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que de integrante da tropa de choque na CPI fez um voo sem escalar para a Casa Civil. Antes, Bolsonaro trouxera a deputada Flavia Arruda (PP-DF), muito ligada a Arthur Lira, para a Secretaria de Governo, que cuida do relacionamento do Palácio do Planalto com o Congresso. A partir daí, a estrada ficou um pouco mais pavimentada para o governo conseguir expressivas vitórias, como o da aprovação do Auxílio Brasil.
Entretanto, entre o desejo e a confirmação há uma grande distância, pois os esforços do presidente Jair Bolsonaro estarão completamente voltados para a reeleição. Isto representa que tudo o mais cairá para baixo no ranking de prioridades, inclusive reformas com as quais o governo jamais se empenhou que fossem aprovadas — como é o caso da administrativa e da tributária.
"Bolsonaro é contra a administrativa, e a tributária não existe. Não existe isso de não querer votar. Não tem é o que votar. No ano que vem, a gente pode esquecer as reformas. Teremos votações de pautas secundárias", lamenta o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM).
Problemas
Para o cientista político André Rosa, é natural que o governo federal não tenha apostado nas reformas administrativa e tributária no ano que antecedeu o período eleitoral, já que poderiam criar problemas tanto com setores do empresariado quanto com servidores públicos. Isso porque, no primeiro caso, ainda há um bom percentual que apoia o presidente e, no segundo, Bolsonaro quer trazer o funcionalismo para perto oferecendo vantagens e um aumento salarial que ameaça explodir o Orçamento de 2022.
"Com a popularidade em baixa, seria suicídio político", afirma Rosa.
Apesar do incômodo, fontes no Congresso vislumbram a possibilidade de que a reforma tributária seja um dos primeiros temas a serem debatidos em 2022. André Rosa concorda, mas não vê grandes chances de o tema prosperar, a menos que haja um esforço por parte dos presidentes das Casas Legislativas.
"O ano de 2022 deve começar com a pauta da reforma tributária. Só que, para aprovar pautas, será preciso uma presença grande do Congresso. E a tendência é de que seja um ano nulo", prevê. (Colaborou Fabio Grecchi).
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