No país que voltou ao mapa da fome e em que o governo alega falta de recursos para atender os mais pobres, o Congresso derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao aumento do Fundo Eleitoral para 2022 de R$ 2,1 bilhões para R$ 5,7 bilhões. O chefe do Executivo rejeitou a elevação, em agosto, sob o argumento de que causaria problemas fiscais para a União.
Na sessão do Congresso, deputados e senadores se posicionaram em peso para manter o fundo eleitoral turbinado. Na Câmara, foram 317 a favor da derrubada do veto presidencial contra 146. No Senado, 53 a 21. Tanto partidos da base do governo quanto da oposição ajudaram na queda do veto (leia Saiba mais).
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) foi um dos que se colocaram contra o aumento do fundo eleitoral. Ele disse ter sido eleito para o cargo gastando menos de R$ 100 mil, por meio de doações de pessoas físicas. "Eu não escuto uma palavra dos líderes partidários no sentido de baratear a campanha, reduzir custos, se aproximar do eleitor; só essa conversa de que são necessários bilhões de reais do nosso bolso para financiar candidaturas espalhadas pelo país, sem critério claro de distribuições dos candidatos", criticou.
Parlamentares do PT evitaram falar sobre o valor do fundo eleitoral e apenas ressaltaram a necessidade do financiamento público de campanhas. Foi o caso do senador Jean Paul Prates (PT). "Nosso conceito em relação ao fundo eleitoral é de que ele é necessário, sim, convictamente, para o exercício da democracia no nosso país. (...) Hoje, precisamos do financiamento público com as suas limitações, mas democraticamente acessível aos candidatos sem ou com posses financeiras", disse.
Na Câmara, o PSol defendeu a necessidade do financiamento público, mas criticou os novos valores. "Nós, diferentemente do Novo, com todo o respeito, defendemos fundo público para campanha, financiamento público de campanha, porque isso é fortalecer a democracia. (...) Mas nós divergimos do valor direcionado ao fundo de campanha. O valor que está colocado, hoje, gira em torno de quase R$ 6 bilhões", afirmou Taliria Petrone (PSol-RJ).
De acordo com o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), o fato de ter maioria dos parlamentares de esquerda votando a favor da derrubada não surpreende. Para o deputado, "a esquerda nunca fez demagogia com relação a isso e sempre deixou claro a defesa do financiamento público de campanha".
Ele também disse que o fato de o PL, nova sigla de Bolsonaro, ter votado pela derrubada do veto "só surpreende a quem se deixou enganar". "O partido do presidente Bolsonaro e toda a base do presidente foi que mobilizou e articulou pela derrubada do veto do fundo eleitoral", sustentou ele, que já anunciou que deixará a sigla justamente por causa da filiação do chefe do Executivo.
O valor do Fundo Eleitoral, no entanto, ainda precisa ser aprovado pela Comissão Mista de Orçamento (CMO), que marcou a votação do relatório para segunda-feira.
O partido Novo antecipou que pretende judicializar o assunto. "O Novo não vê outra saída senão acionar o Supremo Tribunal Federal (SRF), questionando esse valor irresponsável aprovado pelos parlamentares, que preferem destinar bilhões para políticos em vez de investir em saúde, segurança pública e educação, que nosso país tanto precisa neste momento de crise", diz a sigla, em nota. A legenda classificou a quantia de "presente de Natal imoral que os parlamentares se deram".
Com quase R$ 6 bilhões, os políticos terão o maior fundo eleitoral da história. Nas eleições de 2018, partidos receberam R$ 1,7 bilhão para as campanhas.
Na avaliação de Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, a derrubada do veto evidencia que o Congresso está mais preocupado com a questão eleitoral do que com a responsabilidade fiscal. "A título de comparação, R$ 5,7 bilhões correspondem à soma dos orçamentos integrais do Ministério do Meio Ambiente (R$ 3,1 bilhões) e do Turismo (R$ 2,4 bilhões). Os valores constam do projeto de lei do Orçamento da União para 2022", pontuou.
O economista classificou o movimento como um "acinte" e "escárnio", já que a estratégia foi votar o aumento na reta final do ano. "Aprovam esse valor absurdo às vésperas do Natal e do recesso do Congresso, para que a repercussão seja a menor possível", reprovou. "Na próxima semana, provavelmente, serão incorporados ao Orçamento de 2022 cerca de R$ 16 bilhões de emendas do relator, que serão distribuídos sem qualquer critério técnico e socioeconômico."
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Outros vetos
Os parlamentares também derrubaram outros vetos, como o do reajuste do piso salarial para agentes comunitários de saúde e o que altera a Lei Assis Carvalho para dar um auxílio para aqueles que dependem da agricultura familiar.
Outros vetos, como ao polêmico projeto de distribuição gratuita de absorventes ficaram para 2022.
Como partidos votaram
No PL, apenas dois dos 40 deputados foram contra aumentar o fundo eleitoral para 2022: Paulo Freire Costa (SP) e Policial Katia Sastre (SP). No Senado, Flávio Bolsonaro (RJ) e Jorginho Melo (SC) votaram para manter o veto presidencial. Outras siglas que lançaram pré-candidatos ao Planalto também foram a favor do fundo eleitoral turbinado. No PT, 49 dos 51 deputados votaram para derrubar o veto. O MDB deu 29 votos a favor do aumento do Fundão. Já no PSDB, a maioria dos deputados votou contra, embora o líder da bancada tenha orientado a favor de mais recursos para campanhas. O Podemos foi um dos seis contrários ao Fundão na Câmara. PSol, Novo, Cidadania, Rede e PSL também se opuseram.
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