A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhou à Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de investigação contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e contra o dono do BTG Pactual, André Esteves. A suspeita é de uso indevido de informação privilegiada. Caberá ao órgão decidir se há elementos para abrir o inquérito.
O despacho da ministra ocorre em resposta a uma notícia-crime apresentada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI). A entidade requer a abertura de inquérito porque Campos Neto teria telefonado para Esteves com o objetivo de discutir política monetária — especificamente a queda na taxa de juros (Selic) e acerca do lower bound dos juros (conceito econômico que descreve a menor taxa de juros possível em uma economia).
“Obviamente, o administrador pode consultar a sociedade sobre determinados temas sob seu cuidado, porém, nunca de maneira informal ou adiantando sua compreensão sobre eles para aqueles cuja atividade está diretamente implicada por suas decisões”, argumenta a ABI. “Da mesma forma, não cabe ao administrador pedir aconselhamentos oficiosos daqueles cujas atividades são frontalmente afetadas por suas decisões. Por isso, entendemos haver indícios de que a conduta dos envolvidos é potencialmente lesiva à confiabilidade do mercado de capitais.”
Esteves fez a declaração em palestra para clientes e investidores de seu banco, cujo conteúdo está no YouTube: “Eu me lembro que o juros estava assim em uns 3,5%, e o Roberto me ligou para perguntar: ‘Pô, André, o que você está achando disso, onde você acha que está o lower bound?’. Eu falei assim: ‘Olha, Roberto, eu não sei onde que está, mas eu estou vendo pelo retrovisor, porque a gente já passou por ele. Acho que, em algum momento, a gente se achou inglês demais e levamos esse juros para 2%, o que eu acho que é um pouquinho fora de apreço. Acho que a gente não comporta ainda esse juros”.
Segundo os autos, a suspeita é da prática do crime de utilização de informação, previsto no artigo artigo 27-D da Lei nº 6.385/1976. O item dispõe sobre o crime de “insider trading” ou uso indevido de informação privilegiada. Ilegal no Brasil desde 2001, essa prática envolve a utilização de informação relevante ainda desconhecida do mercado na negociação de papéis, com o objetivo de obter lucro ou evitar perdas. “É quando alguém tem conhecimento de alguma informação que seja capaz de influenciar a decisão de investidores na hora de comprar ou vender ações de determinada empresa”, explicou o advogado Karlos Gad Gomes, especialista em direito público.
Na avaliação de Nauê Bernardo de Azevedo, advogado constitucionalista e cientista político, se o caso ocorreu, é grave. “É um tipo de informação que acaba por dar vantagem exagerada a determinados agentes, em detrimento de outros”, observou.
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Defesa
Procurado pelo Correio, o Banco Central afirmou, por meio de nota, que é comum o órgão manter relacionamento com outras instituições financeiras. “Os membros da Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil mantêm contatos institucionais periódicos com executivos de mercados regulados e não-regulados para monitorar temas prudenciais que possam ameaçar a estabilidade do sistema financeiro e/ou para colher visões sobre a conjuntura econômica”, disse. “Esses contatos incluem dirigentes de instituições financeiras ou de pagamento e seguem rígidas normas legais e de conduta, com destaque para os períodos de silêncio e as regras de exposição pública.” A reportagem também entrou em contato com o BTG Pactual, mas não obteve resposta da instituição.
Outras declarações
No encontro, Esteves relatou, ainda, conversas com ministros do STF sobre a independência do Banco Central. A Corte manteve, em agosto de 2021, a lei que havia sido aprovada em fevereiro pelo Congresso. Sem citar nomes, o bandeiro afirmou ter ensinado aos integrantes do tribunal sobre a importância da medida.
Argumentos jurídicos
Veja em que se baseou a denúncia da ABI
“Art. 27-D. Utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários: (redação dada pela Lei nº 13.506, de 2017)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
§ 1º Incorre na mesma pena quem repassa informação sigilosa relativa a fato relevante a que tenha tido acesso em razão de cargo ou posição que ocupe em emissor de valores mobiliários ou em razão de relação comercial, profissional ou de confiança com o emissor. (Incluído pela Lei nº 13.506, de 2017)
§ 2º A pena é aumentada em 1/3 (um terço) se o agente comete o crime previsto no caput deste artigo valendo-se de informação relevante de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo. (Incluído pela Lei nº 13.506, de 2017).