Por 323 votos a 172, a Câmara aprovou, ontem, em segundo turno, a PEC dos Precatórios, com a qual o governo pretende obter uma folga no orçamento para viabilizar o Auxílio Brasil de R$ 400, em substituição ao Bolsa Família. A matéria segue, agora, para a análise do Senado.
Conforme estimativas iniciais do Ministério da Economia, a PEC deve abrir um espaço de R$ 91,6 bilhões no orçamento de 2022, mas esse valor ainda depende da inflação que será fechada no fim do ano.
Entre outros pontos, a proposta, que foi relatada pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), altera o teto de gastos e adia o pagamento de parte dos R$ 89 bilhões que estão previstos para serem quitados no ano que vem na forma de precatórios — dívidas do governo reconhecidas pela Justiça.
Momentos antes de votarem a PEC em segundo turno, o plenário acatou um destaque apresentado pelo partido Novo e retirou do texto a parte que autorizava o governo a contornar a chamada "regra de ouro" por meio da lei orçamentária.
A regra de ouro proíbe a realização de operações de crédito — emissão de títulos públicos — em montante maior que as despesas de capital — investimentos e amortizações de dívida. Atualmente, esse dispositivo legal só pode ser contornado por meio de créditos suplementares ou especiais com finalidade específica e aprovados em sessão conjunta do Congresso por maioria absoluta — pelo menos 257 deputados e 41 senadores.
Com o objetivo de atrair o apoio dos prefeitos, o parecer do relator autoriza o parcelamento, em até 240 meses, das dívidas dos municípios com a Previdência. O benefício vai atingir os débitos vencidos até 31 de outubro de 2021, inclusive os parcelados anteriormente, com redução de multas e juros.
Atualmente, 4.387 prefeituras devem à Previdência. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), essas dívidas totalizam R$ 126,5 bilhões, sendo R$ 104 bilhões no âmbito da Previdência Social (INSS) e R$ 22,5 bilhões dos regimes próprios.
Adiamento
Dos R$ 89 bilhões que devem ser pagos em precatórios em 2022, a PEC definiu que o valor será limitado ao montante que foi quitado em 2016 (R$ 30,3 bilhões), reajustado pelo Índice Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A estimativa é de que esse teto seja de cerca de R$ 40 bilhões.
Ainda conforme a proposta, o restante dos R$ 89 bilhões seria honrado nos anos seguintes, com reajuste pela taxa Selic, acumulada mensalmente. Ficará fora dos limites previstos na PEC o pagamento de requisições de pequeno valor para o mesmo exercício, de até R$ 600 mil, que terão prioridade para serem pagos.
Teto
O texto aprovado pela Câmara muda a forma de cálculo do teto de gastos — regra constitucional que limita o aumento das despesas públicas à inflação.
Atualmente, o teto leva em consideração a variação do IPC — índice oficial de inflação calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — para um período de 12 meses encerrado em junho. Ou seja, para 2022, o valor do teto já foi calculado.
Já as principais despesas do Orçamento (aposentadorias, abonos e seguro-desemprego), ainda conforme as regras atuais, são calculadas pelo ano fechado (janeiro a dezembro).
A proposta da PEC é unificar o momento de atualização e corrigir o teto de gastos no fim do ano, com as demais despesas. Ou seja, calcular a inflação entre janeiro e dezembro para o teto, assim como para o restante do Orçamento. Para 2022, essa fórmula poderia dar uma folga fiscal, já que a inflação cresceu nos últimos meses.
Oposição
Na votação da PEC em primeiro turno, na semana passada, a liderança do PDT na Câmara orientou a bancada a votar pela aprovação da proposta. Dos 25 deputados da sigla, 15 acataram a orientação. Contrariado, o pedetista Ciro Gomes anunciou a suspensão de sua pré-candidatura à Presidência da República.
No PSB, também no primeiro turno, a orientação da liderança foi pela rejeição da PEC. Dos 32 deputados da legenda, 10 votaram a favor da proposta. Na ocasião, a proposta foi aprovada pelo placar apertado de 312 votos a 144 — o mínimo necessário são 308.
Antes da votação em segundo turno, o presidente do PSB, Carlos Siqueira, enviou uma carta aos deputados do partido pedindo voto contrário à PEC. "Solicito a V.Exa. considerar a revisão do voto que ofereceu na oportunidade do 1° turno das votações, de forma a se somar ao contingente de parlamentares que perseguem tanto a preservação e promoção da justiça, quanto a oposição a um governo que tanto mal tem feito ao país", diz um trecho da carta.
No PDT, o líder da sigla na Câmara, Wolney Queiroz (PE), anunciou a mudança de orientação no fim da noite de segunda-feira. "Hoje à noite, por maioria, decidimos mudar a posição da bancada na votação em segundo turno da PEC 23. A decisão se deu em nome da preservação da unidade partidária", frisou. Durante a sessão de ontem, Queiroz disse que a "razão fundamental da mudança foi a manutenção da tão cara unidade partidária".
Porém, essas movimentações no PSB e no PDT não foram suficientes para evitar a aprovação da PEC em segundo turno. Pesaram a favor da proposta, ontem, os votos de parlamentares que, no primeiro turno, estavam ausentes da sessão. Na semana passada, muitos cumpriam missão oficial na COP26, em Glasgow, na Escócia, e não votaram, embora a Mesa Diretora da Câmara tenha publicado um ato permitindo que eles votassem.