Especialistas receberam com desconfiança as metas anunciadas pelo governo de cortar 50% das emissões de gases de efeito estufa até 2030 — antes, a previsão era de 43% —, de atingir a neutralidade de carbono até 2050 e de zerar o desmatamento ilegal até 2028.
A Human Rights Watch destacou que “os compromissos e políticas climáticas do Brasil estão muito aquém do que é necessário para enfrentar a crise ambiental e de direitos humanos na floresta amazônica”. Para Maria Laura Canineu, diretora da organização no país, o “governo Bolsonaro pretende que o mundo, agora, pense que o Brasil está comprometido em salvar a floresta amazônica”. “Mas esse compromisso não pode ser levado a sério, considerando seu histórico desastroso e o fracasso em apresentar planos confiáveis para obter resultados que são urgentemente necessários no combate ao desmatamento”, criticou.
Especialista em política climática do Observatório do Clima, Stela Herschmann afirmou que o Brasil tem potencial para uma meta maior que a declarada pelo governo sobre emissões de gases do efeito estufa. Ela explicou ao Correio que o Observatório apresentou um estudo no qual demonstrou que o país poderia se comprometer com cerca de 81% de redução até 2030.
Herschmann está entre os que consideram a atitude do governo uma manobra para maquiar a verdadeira situação. “De ambicioso, não tem nada. Ele está fazendo outra manobra. Na verdade, está corrigindo um problema que o próprio governo Bolsonaro tinha criado”, frisou. “Estamos com a mesma promessa de seis anos atrás. Quando ele diz que está sendo mais ambicioso, mente, e continua violando o Acordo de Paris, porque o que fez foi apenas se igualar ao compromisso que havia sido apresentado anteriormente, em 2015”, declarou.
Ela se refere ao que outros especialistas chamam de “pedalada climática”. Definida no Acordo de Paris, seis anos atrás, a meta de 43% de cortes nas emissões até 2030 tomava como base os lançamentos de gases do efeito estufa na atmosfera em 2005, projetados na época em 2,1 bilhões de toneladas de CO2.
O governo federal, porém, revisou o cálculo da base de emissões, o que elevou a quantidade de gases emitida em 2005 para 2,8 bilhões de toneladas de CO2, o que reduz o corte na liberação de gás carbônico na atmosfera. O Executivo é alvo de ação na Justiça por causa dessa revisão.
“Parece que está aumentando a ambição, que vai entregar mais, só que os 50% não foram escolhidos à toa. Esse é o valor que, apenas, empata com a promessa feita em 2015. Era o mesmo número dito no governo Dilma (Rousseff). Não é nem correção, é um empate no jogo”, frisou Herschmann.
Para André Lima — coordenador do projeto Radar Clima e Sustentabilidade, consultor em políticas públicas de clima do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e ex-secretário de meio ambiente no Distrito Federal —, o Brasil precisava ter, segundo os princípios da Convenção do Clima, metas mais progressivas. “Com essa alteração (de ontem), parece que ele recuou do que fez em 2020 e voltou para 2015. A resultante é zero. Não fez avanço nenhum”, comentou. (Ingrid Soares, Jorge Vasconcellos e Tainá Andrade, com Agência Estado)
Críticas na imprensa internacional
O jornal britânico Financial Times publicou, ontem, um duro editorial contra o presidente Jair Bolsonaro. De acordo com o texto, intitulado “As falhas de Jair Bolsonaro vão muito além da pandemia”, o veículo diz que o chefe do Executivo se mostrou incapaz de gerir as crises econômica e social que assolam o país, cometeu prevaricação na compra de vacinas contra a covid-19 e terá uma “luta difícil” pela reeleição, diante de uma recuperação vacilante da economia.
“Ao entrar no último ano de seu mandato, Bolsonaro se mostrou incapaz de administrar a economia ou a pandemia, e a maior nação da América Latina está pagando um preço alto”, afirmou o diário, que cita as mais de 600 mil mortes pelo novo coronavírus e disse ser “fácil” culpar o presidente pela magnitude da crise causada pela covid-19. “Suas tentativas de minimizar a pandemia como uma gripezinha, sua prevaricação sobre as vacinas, sua veemente oposição às restrições sanitárias e sua promoção obstinada de remédios duvidosos forneceram ampla evidência para os críticos”, destacou.
A publicação britânica citou, ainda, os processos que podem ser enfrentados pelo chefe de governo, como pedidos de indiciamentos presentes no relatório da CPI da Covid. “Poucos presidentes em exercício enfrentam tantos problemas jurídicos quanto o líder de extrema direita do Brasil, Jair Bolsonaro”, enfatizou. “A Suprema Corte está investigando alegações de que ele e seus filhos políticos espalharam notícias falsas deliberadamente. Ativistas ambientais querem que o Tribunal Penal Internacional o investigue por crimes contra a humanidade por seu suposto papel na destruição da floresta amazônica”, acrescentou.
O Financial, no entanto, vê poucas chances de os casos prosperarem na Justiça, devido ao alinhamento ao Planalto do procurador-geral da República, Augusto Aras, e do presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).
Ausência
Já outras mídias internacionais comentaram a ausência de Bolsonaro na COP26, em Glasgow, na Escócia. O The Washington Post publicou: “O presidente brasileiro Jair Bolsonaro expressou ceticismo sobre a mudança climática no passado e não apareceu em Glasgow. Até mesmo momentos de esperança na ação climática para o Brasil — lar da floresta amazônica, que é vista como um recurso valioso no combate às mudanças climáticas — levaram à decepção para os ativistas do clima. Em uma cúpula de abril organizada por Biden (Joe Biden, presidente dos Estados Unidos), Bolsonaro prometeu dobrar o orçamento ambiental do país. Um dia depois, ele cortou o orçamento ambiental do país para 2021 em quase um quarto”. (Gabriela Chabalgoity, estagiária sob a supervisão de Cida Barbosa, com Agência Estado)
Na Itália, polícia reprime protesto contra Bolsonaro
A polícia italiana usou jatos d’água para dispersar manifestantes que protestavam contra o presidente Jair Bolsonaro em Pádua, no norte da Itália. Em vídeos divulgados nas redes sociais, os agentes aparecem utilizando, também, cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo contra os participantes do ato.
A ação policial ocorreu antes da chegada do presidente a Pádua. O local da manifestação fica a 300 metros da Basílica de Santo Antônio de Pádua, que fez parte do roteiro da visita de Bolsonaro. O chefe do governo viajou à Itália para participar da cúpula do G20, em Roma, no fim de semana.
Em Pádua, local de origem do seu bisavô paterno, Bolsonaro se disse emocionado ao encontrar parentes. “Foi a primeira vez que estive na Itália, então é bom a gente rever as raízes. Porque meus avós foram para o Brasil. Qual o motivo? Obviamente, foram em busca de dias melhores, pela dificuldade que a Itália apresentava no momento. É gratificante. Fui bem recebido e ainda estou sendo”, afirmou, em live nas redes sociais.
Bolsonaro ainda participou da cerimônia de outorga do título de Cidadão Honorário do Município de Anguillara Veneta e de um almoço oferecido pela prefeita Alessandra Buoso, de partido de extrema direita.
Depois, o presidente foi à Basílica de Santo Antônio de Pádua. A visita ocorreu após a igreja emitir nota, na semana passada, citando “constrangimento” com a homenagem oferecida ao presidente. “Não é oculto que a concessão da cidadania honorária tem gerado muito constrangimento para nós”, afirmou a Basílica, na ocasião. A nota citou as mais de 600 mil mortes causadas pela covid-19 no Brasil e apontou que a gestão da pandemia está “sob holofotes”.
Califórnia
Em entrevista a jornalistas na Itália, Bolsonaro se defendeu das críticas de que não combate os desmatamentos e os incêndios na Amazônia. Ele relatou perguntas de crianças italianas feitas a ele: “E a Amazônia, tá pegando fogo?”. O chefe do Executivo alegou que “a Califórnia pega mais fogo que o Brasil, mas ninguém fala nada”.
“O Brasil é responsável por menos de 2% de emissões de gases do efeito estufa. E o Brasil é uma das 10 maiores economias do mundo. Então, nós já contribuímos bastante. Dois terços da floresta, das matas naturais estão preservadas até hoje”, afirmou. “A gente lamenta porque, para cá, a notícia que chega quase sempre não é a verdadeira. Em contato na rua, crianças perguntaram para mim: ‘E a Amazônia, está pegando fogo? Daí eu falei: ‘A Califórnia pega mais fogo que o Brasil, mas ninguém fala nada”, acrescentou.
Bolsonaro culpou índios e caboclos por parte de focos de queimadas. “Grande parte dos focos de incêndio são os mesmos o ano todo: é agricultura de subsistência por parte de indígenas e caboclos. Agora, existe, sim, o desmatamento ilegal, existe em parte aí, fogo, né? Você pode ver, colocamos as Forças Armadas este ano com Mourão comandando, para combater esses focos de incêndio em parceria com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), entre outros órgãos governamentais”, destacou, numa referência ao vice-presidente Hamilton Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia Legal. (JV e IS)