Em mais uma aparição peculiar, o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), se mostrou novamente isolado diante de líderes de outros países na reunião do G-20. Ele não teve encontros marcados com chefes de outras nações – com exceção do presidente italiano, Sergio Mattarella, que recebeu todos os líderes que participaram do encontro – e teve, ao longo do evento, uma agenda paralela enquanto presidentes e primeiros-ministros conversavam entre si e davam entrevistas.
A exemplo do que costuma fazer em território brasileiro, Bolsonaro preocupou-se essencialmente em falar aos seus apoiadores, especialmente nas ruas. Houve, inclusive, um episódio de violência de seguranças de Bolsonaro contra jornalistas, o que piorou ainda mais a moral do presidente em solo italiano. Para especialistas em relações internacionais, o isolamento do presidente demonstra que os líderes de outras nações já entenderam que “Bolsonaro é um sujeito com quem não se deve perder tempo”.
No G-20, o chefe do Executivo chegou a conversar informalmente com o presidente turco, o conservador Tayyip Erdogan, no sábado. Bolsonaro disse a ele que “a Petrobras é um problema”, que o governo está quebrando monopólios, não fez indicações políticas para seus ministérios e também mentiu sobre o desempenho econômico brasileiro e sua popularidade.
Já na COP26 – evento da ONU sobre mudanças climáticas, que ocorre em Glasgow, na Escócia –, o presidente optou por não participar e apenas gravar uma mensagem em vídeo para ser transmitida. Nela, ele deu destaque ao Plano Nacional de Crescimento Verde (PNCV), lançado há uma semana, e, ao contrário de outros eventos, não culpou ONGs ou indígenas pelo desmatamento da Amazônia. Em uma mudança de tom, ele reforçou a necessidade de se trabalhar por uma economia verde
Para Juliano Cortinhas, especialista em Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), isso não significa que Bolsonaro mudou sua postura com relação ao meio ambiente. Trata-se, portanto, de uma forma de tentar aliviar um pouco da pressão internacional que o país recebe. Ele afirmou que as entidades de fiscalização do desmatamento têm contatos em todo o mundo e são organizados, portanto, não faz diferença o que Bolsonaro fale ou deixe de falar, o que importa são os dados.
“É uma lástima a política que ele vem implementando em relação ao meio ambiente e mostra que esse é um governo que precisa ser retirado do poder com a maior urgência possível”, afirmou. Cortinhas também destaca que o isolamento experimentado pelo presidente no G-20 é atípico e só ocorre em casos de lideranças que inspiram desprezo.
“Não é algo feito aleatoriamente e é algo que é muito raro na diplomacia internacional. Somente aqueles estados párias, governados por ditadores, por genocidas, por políticos que não produzem nada de positivo são isolados da forma como ele foi. Isso é uma linguagem clara que é inaceitável seu governo para a maioria dos líderes mundiais”, pontuou o professor.
Estrago permanece
Cortinhas disse, ainda, que acredita que não há qualquer perspectiva de que o Brasil volte a atrair a atenção dos demais países do mundo enquanto Bolsonaro for presidente. Ele avalia que será preciso produzir décadas de resultados para minimizar o estrago causado pelo mandatário. “Teremos de produzir muitos resultados concretos para minimizar o estrago feito pela gestão Bolsonaro”.
Já Roberto Goulart Menezes, também professor de Relações Internacionais da UnB, é autor do artigo “Governança ambiental sob Bolsonaro: desmantelando instituições, reduzindo a participação, deslegitimando a oposição”, uma análise sobre como o governo Bolsonaro desmantelou ferramentas importantes de preservação ambiental e faz um paralelo com governos anteriores.
Ao Correio, o especialista disse que o Plano Nacional de Crescimento Verde (PNCV) é “uma enganação”, já que apenas faz alterações em políticas já existentes. Para ele, Bolsonaro foi ao G-20 sem uma preparação adequada para tentar conseguir recursos utilizando a Floresta Amazônica como moeda de troca. Para Menezes, o isolamento do presidente mostra que os líderes sabem que ele é uma perda de tempo.
“Os Estados Unidos ainda não designaram um novo embaixador no Brasil. Isso é um fato simbólico. E o governo Biden pode demorar mais tempo para fazê-lo. Macron afirmou que Brasil e França estão distantes e a Alemanha não pretende retomar o Fundo Amazônia com Bolsonaro. Na era da internet a mentira é rapidamente identificada. Assim, Bolsonaro reafirmou o seu negacionismo científico e a constatação de que é um sujeito com quem não se deve perder tempo”, pontuou.
“A ilegalidade é a marca perseguida por Bolsonaro na área ambiental. Isso o mundo inteiro sabe. Falta apenas começar a agir”, completou.
Fora do cercadinho
A incapacidade de Bolsonaro se comunicar com aqueles que não são parte de seu eleitorado é, segundo especialistas, um sinal de sua incapacidade política. Para Márcio Coimbra, cientista político e coordenador do Mackenzie, o presidente utilizou a COP26 para “mentir mais uma vez, como já tem feito com a pandemia para criar narrativas”.
“Ele acredita que na área internacional o público também vá comprar sua narrativa, sua versão dos fatos ao invés da verdade. Então ele distorce os fatos com esse objetivo, mas a plateia internacional não compra o argumento bolsonarista como os seus partidários compram no Brasil. Portanto, ele acaba se tornando isolado na esfera internacional e um líder que não tem credibilidade”.
Isso, segundo Coimbra, fica claro com as participações vergonhosas de Bolsonaro em eventos internacionais, como foi o caso do G-20. “Por ser um líder mentiroso, ele acaba por perder credibilidade. E sem credibilidade ele não se torna peça do jogo internacional, sendo excluído por outros líderes do futuro pós-Bolsonaro, onde será possível reverter as políticas e os comportamentos do atual presidente.
“O Brasil só vai se reerguer desse isolamento e dessa descredibilidade nos fóruns internacionais quando tivermos um novo presidente. Até lá, a imagem do país está maculada por uma presidência mentirosa, que distorce os fatos e que retirou a credibilidade internacional do Brasil”, concluiu Márcio Coimbra.
Nesta terça-feira (2), Bolsonaro participa de uma cerimônia em memória dos pracinhas brasileiros falecidos na Segunda Guerra Mundial em Pistoia, na Itália, e retorna a Brasília em seguida, onde chegará por volta das 22h45.