entrevista

"PEC dos Precatórios é um ataque ao Estado de direito"

Presidente da Comissão Especial de Precatórios da OAB nacional, Eduardo Gouvêa considera inevitável a judicialização da proposta, em razão de múltiplas violações constitucionais

Carlos Alexandre de Souza
postado em 30/11/2021 15:04 / atualizado em 30/11/2021 19:57
 (crédito: divulgação )
(crédito: divulgação )

Em Brasília para acompanhar as discussões no Senado, o presidente da Comissão Especial de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil nacional, Eduardo Gouvêa, vê com extrema preocupação o avanço da proposta que trata do tema no Congresso Nacional. Considera a PEC dos Precatórios uma temeridade jurídica, econômica e fiscal, com graves consequências para as finanças públicas. Nesta entrevista ao Correio, Gouvêa afirma que a judicialização será inevitável, tal a quantidade de violações constitucionais presentes no texto. Gouvêa lamenta, sobretudo, porque existem instrumentos legais que poderiam dar outro encaminhamento à discussão.

E acredita que seria possível chegar a uma solução se houvesse mais seriedade em assunto tão grave. Gouvêa faz coro ao manifesto recentemente divulgado pela OAB sobre o tema. "Bastam 48 horas e uma boa equipe, disposta a dialogar, para transformar os precatórios numa grande oportunidade e injetar R$ 1 trilhão na economia". Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.

O que há de mais grave na PEC dos Precatórios?
O pior é o calote, que representa um grave ataque ao Estado Democrático de Direito. A proposta é uma afronta a duas cláusulas pétreas – a independência dos poderes e as garantias individuais -- e a várias cláusulas constitucionais, como a da coisa julgada e a do direito adquirido.

Por que o senhor chama a proposta de PEC da Miscelânea?
Considero-a a PEC da Miscelânea porque agora se enfiou tudo o que podia, e o precatório virou só uma justificativa para furar o teto de gasto. Quebra-se a regra de ouro, fura-se o teto de gasto, dá-se financiamento para município... O precatório virou apenas um pretexto.

O senhor diz que o problema não se resume a R$ 39 bilhões. Por quê?
Eu digo que a questão não se trata apenas de R$ 39 bilhões porque tudo que está sendo postergado está extrapolando o teto de gastos. Serão trilhões de reais de postergação, portanto trilhões de reais a romper o limite fiscal definido por lei.

A judicialização é inevitável?
Mantido o texto que estava em discussão até chegar à CCJ, a judicialização é inevitável. Há mais de 30 inconstitucionalidades.

Quais são as violações constitucionais mais flagrantes?
Em primeiro lugar, como disse, a PEC violas as cláusulas pétreas da Constituição Federal que estabelecem a separação de Poderes e os direitos e garantias individuais. E há outras violações a regras constitucionais, como a moralidade administrativa; a dignidade da pessoa humana; o devido processo legal; o direito de propriedade; a isonomia; a segurança jurídica; a razoável duração do processo; o ato jurídico perfeito; o acesso à Justiça; a coisa julgada; o contraditório e ampla defesa; o direito adquirido. As inconstitucionalidades foram apontadas pelo STF (ADIs 4357 e 4425) e pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira e Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados (Nota Técnica Conjunta nº 6/2020).

Existem instrumentos legais alternativos para a questão das dívidas judiciais?
Existem inúmeros instrumentos já aprovados na legislação. Eles só demandariam ao governo o planejamento para executar essas estratégias, que já têm previsão legal. Há outros instrumentos que podem ser aprovados, mas os que já existem em lei ordinária seriam suficientes para resolver o problema definitivamente.

Qual será o desdobramento para o futuro?
Dada a questão do jeito que está, autoriza-se a destruição definitiva das finanças públicas do país — não só da União, como também de estados e municípios que aderirem a esse texto. Ou seja, está se constitucionalizando o descumprimento de decisões judiciais e o calote ao credor do poder público.

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