O escritor Nassim Nicholas Taleb é um libanês que resolveu escrever sobre probabilidades e incertezas após deixar o emprego de "trader" de derivativos na Bolsa de Chicago. Seu livro A lógica do Cisne Negro (Best Seller) faz muito sucesso entre os executivos, porque trata de eventos raros e da necessidade de estar preparado para lidar com eles. O título do livro decorre do fato de que todos os cisnes eram brancos, até a "descoberta" da Austrália. A novidade do cisne negro foi uma demonstração da fragilidade do conhecimento humano. O presidente Jair Bolsonaro é um cisne negro na política brasileira. Sua eleição era altamente improvável, mas aconteceu. O mesmo ainda pode se repetir em 2022.
O Cisne Negro existia, antes de ele ter sido visto pela primeira vez por um explorador do Ocidente. Taleb destaca que eventos dessa ordem ocorrem com muito mais frequência, mas não estamos preparados para percebê-los. Depois que tomamos conhecimentos deles, buscamos explicações que muitas vezes são fantasiosas, porque isso é melhor do que admitir que não estamos entendendo nada. Nossas opiniões formadas sobre tudo, como diz a canção, nos impedem de compreender o que contraria aquilo em que acreditávamos.
Taleb trabalha com dois conceitos criados por ele; digamos, são "tipos ideais", à moda de Max Weber. O primeiro é o "mediocristão", que se baseia na média de eventos observados; o segundo, o "extremistão", aquelas coisas que não seguem um padrão. Por isso, a racionalidade pode virar uma armadilha diante de situações imprevisíveis. Cisnes Negros são os eventos que causam grandes transformações cognitivas. No chamado "mediocristão", os fatos imprevistos são controláveis, seu impacto não altera significativamente a média; no "extremistão", o impacto sai do controle, porque extrapola o aspecto físico e muda o comportamento. A eleição de Bolsonaro mudou o comportamento das pessoas. Em todo lugar, nos surpreendemos com o ativismo político de gente que até então não queria saber de política. É assim na família, entre colegas de trabalho e nos mais diversos ambientes sociais.
A ascensão de Bolsonaro à Presidência teve um impacto na vida nacional que está muito fora da curva, em todas as áreas. Nas políticas públicas, isso fica mais evidente diante dos indicadores de sua gestão, que confrontam os paradigmas até então consensuais na sociedade. São os mortos da pandemia de covid-19, a queda de participação nos exames do Enem, o aumento vertiginoso das vendas de armas, as taxas de morte no trânsito, os índices de desmatamento etc. A transgressão à ordem estabelecida é estimulada de cima para baixo, em toda a franja da economia formal, das milícias de Rio das Pedras, no Rio de Janeiro, aos garimpeiros do Rio Madeira, no Amazonas.
Forte nos grotões
É um erro imaginar que Bolsonaro deixou de ser um cisne negro nas eleições de 2022. Não morreu nem mudou de plumagem. Os levantamentos apontam o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a não aprovação do governo federal, a alta rejeição do presidente da República, seu confinamento ao eleitorado mais conservador e diretamente beneficiado por suas decisões de caráter ideológico ou econômico. Entretanto, Bolsonaro continua sendo um cisne negro, porque estrategicamente não se sente derrotado.
Beneficia-se do fato de que qualquer governo, mesmo o mau governo, é a forma mais concentrada de poder: arrecada, normatiza e coage. E usa em benefício próprio a mão pesada do Estado, no limite de suas possibilidades. Bolsonaro resolveu implementar na marra sua agenda de costumes e ideológica, em todos os órgãos do governo, para agradar sua base eleitoral, que está sendo fortemente assediada pela pré-candidatura do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que pode tomar-lhe o lugar de cisne negro nas eleições do próximo ano.
A aliança de Bolsonaro com o Centrão é uma força eleitoral robusta. A chave da preservação dos seus redutos eleitorais nos grotões do país é essa associação com o Centrão, particularmente no Nordeste. A tradução dessa aliança é o chamado "orçamento secreto", que chega a R$ 30 bilhões em emendas parlamentares ao Orçamento da União, com destinação não-esclarecida até agora. O esquema parlamentar encabeçado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é a reencarnação do velho coronelismo patrimonialista. Pesquisas de opinião não captam com precisão o comportamento dessa fatia do eleitorado, principalmente nas cidades com menos de 50 mil habitantes, que estão sendo alcançada por Bolsonaro por meio de uma cadeia de pequenas rádios do interior sob controle do governo e das igrejas evangélicas.
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