A política brasileira sempre teve suas extravagâncias e nenhuma delas levou a um bom desfecho. Sempre que a ordem normal das coisas prevaleceu, os resultados foram melhores. Para as pessoas da minha geração, a primeira anormalidade ocorreu quando a UDN, partido das elites e dos bacharéis, cansada de perder eleições, tomou emprestado um aventureiro de um partido desconhecido para disputar a eleição em seu nome. O personagem era Jânio Quadros e ganhou a eleição com um discurso moralista e demagógico. Sem conseguir verdadeiramente governar, renunciou seis meses depois, precipitando o país num abismo por 24 anos.
Na primeira eleição presidencial da redemocratização, nova aventura, chamada Fernando Collor, se ofereceu aos eleitores sem memória, parodiando o discurso moralista de 1960 e prometendo combater os "marajás", entidade indefinida, feita na medida para satisfazer a todas as formas de ressentimento. O modelo foi semelhante. Uma novidade, vinda de um partido inventado para a ocasião, chegava para acabar com a política, mesmo que a política naquela hora fosse Ulysses Guimarães, Mário Covas, Aureliano Chaves, Leonel Brizola e até Lula. Ganhou a eleição, mas fez um governo caótico e tumultuado, que terminou com um impeachment, e o país desorganizado e em frangalhos.
Volto a esses episódios quase esquecidos para lembrar que a democracia está sempre sujeita a tais extravagâncias e que elas podem voltar a ocorrer. Os juízos políticos nas democracias de massa são quase sempre fundados em emoções de superfície e raramente na razão. Para conciliar a vontade popular com as exigências de governar sociedades complexas e cada vez mais diversas e informadas — ou mal informadas —, é necessária a mediação das instituições políticas, em especial o Parlamento e os partidos políticos. Não há caminho alternativo.
Estamos vivendo, hoje, tempos semelhantes, com a política correndo fora dos trilhos. O atual presidente se elegeu fora dos partidos e com um discurso contra a política. Uma vez eleito, descobriu que em nosso sistema constitucional governos sem maioria própria no Congresso podem pouca coisa, a não ser falar de seus planos e reclamar da falta de poder.
Governar apenas com discurso não é suficiente. Afinal, as pessoas têm problemas reais e esperam que o governo os resolva. Em busca de salvar o governo ainda a tempo, o presidente buscou apoio onde era possível. Acabou deixando seu partido e se associando aos políticos do Centrão, último refúgio de todos os governos em crise, a quem tanto havia criticado nos discursos de campanha. Os temas da eleição foram para o arquivo, mas uma parte das pessoas sempre perdoa essas coisas.
Até aí, temos uma história que não é propriamente original. O inusitado é que nosso presidente, pela primeira vez na história, não está mais filiado a qualquer partido e anda à procura de uma legenda para disputar a reeleição — e, se vencer, continuar governando do mesmo modo, sem sustentação organizada no Congresso e sem nenhuma ambição de reformar a vida do país. A ideia parece ser apenas estar no poder, mesmo que para nada.
Nosso sistema constitucional funciona dentro de certas regras, que são universais na democracia. Os Poderes são separados e independentes. O Legislativo funciona com base na vontade popular representada pelos partidos políticos. Escolher um presidente cujo propósito é lutar contra o Judiciário, os partidos e os políticos, é, na verdade, ir em busca de um desgoverno, não de um governo. Ou então é sonhar para que o presidente consiga destruir ou dominar os outros Poderes. Nesse caso, estaremos simplesmente escolhendo a ditadura pelo voto, como estamos vendo em muitas partes do mundo.
As previsões da meteorologia política são inquietantes. Nessas eleições, podemos ter candidato contra a política no governo e até na oposição. Que ninguém se iluda: votar contra a política é votar contra a vida democrática. Que cada um tenha isso claro na consciência, no primeiro domingo de outubro de 2022. O preço pode ser muito alto.
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