NAS ENTRELINHAS

Análise: COP26 representa o esforço final para mudar rota rumo ao desastre climático

Ante a evidência das dificuldades de se impedir que a alta da temperatura fique no máximo em 2º Celsius nas próximas décadas, mais de 120 chefes de Estado tentarão transmitir alguma esperança para as futuras gerações

Começa amanhã, na cidade escocesa de Glasgow, uma conversa difícil. A Conferência do Clima das Nações Unidas terá a ingrata tarefa de reunir representantes de aproximadamente 200 nações para debater um problema em escala planetária: a incapacidade dos governantes de frear o aquecimento global. Ante a evidência das dificuldades de se impedir que a alta da temperatura fique no máximo em 2º Celsius nas próximas décadas, mais de 120 chefes de Estado tentarão transmitir alguma esperança para as futuras gerações. Será a tentativa de responder às duras críticas dos defensores da causa ambiental, como a ativista sueca Greta Thunberg, de apenas 18 anos. “Não existe planeta B, não existe planeta blablablá, economia verde blablá, neutralidade do carbono até 2050, blablá. Isso é tudo o que ouvimos de nossos chamados líderes: palavras. Palavras que parecem boas, mas não levaram a nenhuma ação. Nossas esperanças e sonhos são afogados em suas palavras e promessas vazias”, protestou Greta em setembro na cidade italiana de Milão, onde jovens se reuniram para elaborar um documento a ser encaminhado à Cúpula do Clima na Escócia.

A reunião em Glasgow representa, para muitos, o esforço derradeiro de se mudar a trajetória do planeta rumo a um desastre. Seria mais o último esforço de fazer valer o Acordo de Paris, celebrado em 2015, com o estabelecimento de metas para reduzir a emissão de gases poluentes. De lá para cá, a preocupação ambiental esbarrou na entrada na arena política de Donald Trump, notório negacionista climático. O ex-presidente anunciou, ainda em julho de 2017, que abandonaria o compromisso mundial firmado na capital francesa. Trump defendia uma nova negociação, que atendesse aos interesses da economia norte-americana. E o meio ambiente ficou em segundo plano. Os Estados Unidos só retornariam ao acordo em janeiro deste ano, por iniciativa do democrata Joe Biden. Houve, portanto, um hiato de, ao menos, quatro anos na contribuição norte-americana em favor da causa climática. A expectativa também é modesta em relação ao outro peso-pesado na emissão de gases poluentes, a China. Em documento divulgado na quinta-feira, Pequim manteve as metas apresentadas em 2015, com a promessa de chegar à neutralidade de carbono em 2060. Apenas para citar as duas maiores economias do mundo e potências hegemônicas no pós-Guerra Fria, temos breves exemplos de como é difícil reverter a escalada mundial rumo a um calamidade ambiental.

E o Brasil? Infelizmente, o país que sediou a Rio 92 terá chances remotas de convencer a opinião pública mundial de que deixou para trás a condição de pária ambiental. Se a conferência do Rio de Janeiro nos anos 1990 ficou marcada pela defesa do desenvolvimento sustentável, o Brasil de 2021 será alvo de pesadas críticas, que serão dirigidas à sua maior autoridade, o presidente Jair Bolsonaro. Com seu estilo frasístico peculiar, o vice-presidente Hamilton Mourão resumiu o estado de espírito que aguarda o chefe do governo brasileiro: “Todo mundo vai jogar pedra nele”. É a consequência de uma administração que desde sempre se mostrou refratária à causa ambiental. Fará parte da história do governo de Bolsonaro a antológica expressão de Ricardo Salles de ir “passando a boiada” sobre a legislação que protege biomas como o cerrado e a Amazônia.

Infelizmente, o Brasil e outros países altamente poluidores ainda não conseguiram acertar a equação que busque o equilíbrio entre desenvolvimento e meio ambiente. Razões econômicas têm predominado sobre danos ambientais, com consequências que afetam não somente a natureza, mas também a própria humanidade. De nada serve a política isolacionista, de que interesses nacionais predominam sobre as necessidades da comunidade internacional. Desde o início de 2020, países ricos e pobres, liderados por governos de direita ou de esquerda, conservadores ou progressistas, testemunham a ocorrência de uma tragédia de proporções planetárias. Em menos de dois anos, a pandemia de covid-19 matou quase 5 milhões de pessoas no globo terrestre – 607 mil somente no Brasil. O novo coronavírus também é responsável por profundos impactos econômicos, de efeito mais duradouro para países emergentes, como nós.

Não resta dúvida de que uma nova tragédia global, desta vez no meio ambiente, pode acontecer. A cada ano, ela se torna perigosamente mais real. É nesse contexto que se realiza o difícil diálogo de Glasgow. Preocupa saber que o Brasil tem quase nada de edificante a dizer sobre esse tema.

 

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