A PEC dos Precatórios foi adiada mais uma vez. Durante todo o dia de ontem havia uma expectativa se o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conseguiria votos para aprovar a emenda constitucional. No fim da tarde, Lira se reuniu, a portas fechadas, com os líderes dos partidos para decidir se manteria a votação. O impasse para o andamento da pauta não era mais o texto — motivo de discordância até entre partidos do Centrão, aliados do governo —, mas, sim, a perspectiva de que a proposta seria rejeitada se houvesse votação. “Não estamos nem mexendo em texto, isso é outra etapa”, disse Hugo Motta. Até as 19h, o site da Câmara dos Deputados indicava 446 parlamentares inscritos.
Nos bastidores, deputados comentavam a dificuldade de Lira para emplacar a votação, após negociação com o Planalto. “A ordem está vindo do governo. MDB não está aderindo, União (Brasil) está com pé atrás. Não tem quórum para passar a PEC nem nessa semana, nem na semana que vem”, previa, no início da noite, uma fonte ao Correio. Apesar do prognóstico, a proposta volta à pauta da Câmara nesta quinta-feira.
A mobilização do governo era visível. Os ministros da Cidadania, João Roma, e da Casa Civil, Ciro Nogueira, estiveram na Câmara para participar da reunião com os líderes. “Que o parlamento brasileiro continue do lado dos brasileiros como ele tem feito durante todo esse enfrentamento de pandemia. Foi assim no orçamento de guerra, foi assim na PEC Emergencial, e nós estamos fazendo esse apelo aos congressistas que tomam essa decisão, pois estamos focados, sim, em cuidar dos brasileiros que estão na linha da pobreza e da extrema pobreza. Portanto, a urgência do assunto é para que se possa viabilizar um socorro a todas essas pessoas”, alegou Roma.
Se a votação ocorresse ontem, cerca de 50 deputados da base aliada do governo não estariam no plenário. Com a volta das atividades presenciais no parlamento, a norma é de que as votações só aconteçam com os deputados na Casa. O texto que iria para votação sofreu mudanças do relator Hugo Motta (Republicanos-PB), mas ainda não obteve consenso. As alterações preveem a possibilidade de compensação de dívida, com a securitização das dívidas tributárias inscritas em dívidas ativas que tenham tributos a receber em difícil recuperação inscrita. Esse dispositivo permitiria a venda de títulos com deságio no mercado. Outra mudança seria a retirada do parcelamento de nove anos, que agora será pago na cronologia, com outro tipo de gatilho. Uma terceira alteração muda o período de aferição do teto de gasto, o que resultaria em ganho de espaço fiscal. Essa foi a solução encontrada para garantir recursos ao Auxílio Brasil.
Mas as resistências ainda eram fortes. “Avançar na votação hoje (ontem) será com muita dificuldade. Para o MDB, não passa. A quebra da regra de ouro e se aproveitar desse período de calamidade são pontos críticos fortes”, avaliou uma fonte do MDB.
Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) reconhece a necessidade de aprovar um benefício para milhões de brasileiros vulneráveis, mas defende maior planejamento. “Nós somos a favor de uma ação concreta. O governo precisa ter uma política de resposta em relação à crise. Só que o raciocínio é o seguinte: o governo perde o controle fiscal e gera inflação, que ferra os mais pobres. Ele criou o desequilíbrio fiscal e, agora, vai fazer um auxílio emergencial, que vai aprofundar ainda mais um desequilíbrio fiscal. Então você está descendo escada abaixo”, descreve o parlamentar.
Corte de gastos
Para Jardim, o caminho para financiar o Auxílio Brasil reside em cortar gastos e ter uma política econômica que inspire confiança. Romper o teto, na avaliação do deputado, é inadequado. “Eles estão falando de interpretações em questões do teto, então que nos apresentem. Querem abrir um rombo no teto que justifica tudo isso que eu disse. Estamos abertos para discutir, especificamente, a pressão de gastos que faz o precatório, mas que venham propostas focadas nisso e consistentes”, propõe.
Marx Beltrão (PSD-AL), por sua vez, concorda com a quebra do teto de gastos. Ele acredita que o atual limite orçamentário impede avanços. “O teto de gastos engessou algumas ações. Para se avançar em algumas áreas, é preciso ter mudanças, e a PEC é justamente para isso. Eu creio que esse assunto não é só de governo. Interessa ao parlamento, aos prefeitos, aos governadores, às empresas privadas, ou seja, à nação como um todo”, comentou.
Após verificar o número insuficientes de parlamentares para a votação da PEC, Arthur Lira fez um teste para verificar a adesão dos deputados. Foi apreciado um requerimento para a quebra do interstício — que permite a dispensa do intervalo de duas sessões para a votação do segundo turno da proposta de emenda constitucional. O pedido foi aprovado com 253 a favor e 174 contra. Para aprovar uma PEC em plenário, são necessários 308 votos favoráveis.