Após seis meses de atividades, a CPI da Covid aprovou, ontem, por sete votos a quatro, o relatório final das investigações, que pede o indiciamento de 78 pessoas e duas empresas por suspeita de irregularidades relacionadas ao enfrentamento da pandemia. O primeiro da lista é o presidente Jair Bolsonaro, ao qual o relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), imputou nove crimes, cujas penas somam, ao menos 78 anos de prisão.
O relatório aponta Bolsonaro como um dos principais responsáveis pela maior tragédia sanitária da história do país, que já causou mais de 606 mil mortes. A CPI o acusa, entre outros, de prevaricação, charlatanismo, crimes de responsabilidade e crimes contra a humanidade (veja quadro).
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), informou que, hoje, o relatório será entregue ao procurador-geral da República, Augusto Aras, para possível abertura de ações penais ou aprofundamento das investigações. Também nesta quarta-feira, representantes da comissão levarão o documento ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Ainda não está definida a data em que o relatório final será apresentado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Caberá a ele, um aliado do Planalto, decidir sobre o início da tramitação de um eventual pedido de impeachment contra Bolsonaro a partir dos crimes apontados pela CPI.
A lista de indiciados inclui também, entre outros, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello; o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga; e os filhos políticos do presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Os três são acusados de incitação ao crime. Na relação há, ainda, empresários, blogueiros e integrantes do “gabinete paralelo”, que orientava o presidente na condução da pandemia.
O nome do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e o do secretário de Saúde do estado, Marcellus Campêlo, foram colocados na relação horas antes do início da sessão. O relator acatou um pedido do senador Eduardo Braga (MDB-AM), que apontou responsabilidades de ambos no colapso do sistema de Saúde de Manaus, ocorrido em janeiro deste ano. A crise na capital amazonense foi o fato determinado que justificou a criação da CPI.
Já as duas empresas indiciadas no relatório são a Precisa Medicamentos e a VTCLog, acusadas de irregularidades em contratos com o Ministério da Saúde para, respectivamente, a compra de vacinas e a logística da distribuição de imunizantes.
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Fake news
A comissão também aprovou um requerimento a ser enviado ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a declaração de Bolsonaro que associou falsamente as vacinas contra a covid-19 à aids. Os senadores querem que as falas sejam incluídas no inquérito das fake news, que tem o presidente entre os investigados.
A CPI aprovou, ainda, um pedido de quebra do sigilo telemático de Bolsonaro. O objetivo é receber das redes sociais uma série de informações sobre o chefe do governo, como dados cadastrais, registros de conexão e cópia de conteúdo armazenado. Além disso, o colegiado pediu o banimento de Bolsonaro de todas as redes sociais.
“A presidência não é cargo de boteco, em que você fala o que quer, tomando cerveja e comendo churrasquinho. Presidente da República que se reporta ao povo brasileiro baseado em um estudo que não tem cabimento nenhum e fala uma coisa dessa quando estamos implorando para a população se vacinar?”, criticou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).
No último discurso que fez como relator da CPI, Calheiros chamou Bolsonaro de “despreparado”, “desonesto”, “caviloso” (falso, fingido), “arrogante”, “autoritário”, “homicida”, entre outras adjetivações. Adversário político do presidente, ele disse que o governo “sabotou a ciência”. “O caos do governo Jair Bolsonaro entrará para a história como o mais baixo degrau da indigência humana e civilizatória. Reúne o que há de mais rudimentar, infame e sombrio da humanidade”, disparou. Ele acrescentou que a comissão cobrará “todas as punições” indicadas no relatório final.
Recado a Aras
Em entrevista coletiva, Randolfe Rodrigues disse esperar que o procurador-geral da República, Augusto Aras, atue conforme o cargo que ocupa ao receber o relatório final da comissão. Ele falou sobre o assunto quando perguntado se havia a possibilidade de o chefe do Ministério Público não dar prosseguimento a ações penais contra Bolsonaro. Aras tem sido acusado, até mesmo entre seus pares, de proteger os interesses da família do presidente.
“Primeiro, eu quero acreditar que o senhor Augusto Aras é procurador-geral da República, antes de ser aliado de quem quer que seja. Esperamos que ele atue como procurador-geral da República. Se não o fizer, existem outros caminhos, no código de processo criminal do nosso país, na legislação penal do nosso país, para levarmos esse relatório à frente”, enfatizou.
De acordo com o senador, em caso de omissão do PGR, a CPI poderá entrar no STF com uma ação subsidiária da pública.
Declaração falsa
Em live na quinta-feira passada, Bolsonaro afirmou que pessoas vacinadas com duas doses contra o coronavírus estão desenvolvendo a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids). O vídeo foi removido por Facebook, Instagram e YouTube — que bloqueou o canal do presidente por uma semana.
Acusações contra Bolsonaro
» Epidemia com resultado morte
» Infração de medida sanitária preventiva
» Charlatanismo
» Incitação ao crime
» Falsificação de documento particular
» Emprego irregular de verbas públicas
» Prevaricação
» Crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio,
perseguição e outros atos desumanos
» Crimes de responsabilidade