Como é natural nas nações democráticas, o atual governo do Brasil está se aproximando do seu período final, para alegria de muitos e para tristeza de outros tantos. O bom das democracias é que todos os governos, bons ou ruins, acabam.
Como também é natural, começam a se movimentar as forças políticas que aspiram ocupar o governo. A população em geral, ocupada nas tarefas de sua dura sobrevivência, ainda se mantém longe das arengas da política. Num certo momento, contudo, estaremos todos envolvidos no clima das eleições, esquecidos dos desenganos acumulados e prontos para renovar a esperança de governos e dias melhores.
A questão que precisa ser discutida é se há fundamento lógico para essa esperança. Quando elegemos um novo líder, o nosso sentimento é de que ele fará um governo compatível com a personalidade que expressou durante a campanha eleitoral e que se manterá fiel às suas promessas principais. Será que há razão nestse sentimento?
A verdade é que, quando olhamos para o governo, temos a inclinação para pensar nas pessoas e deixamos de levar em conta o sistema em que operam. O sistema constitucional brasileiro, escrito por uma assembleia reunida logo em seguida ao fim do regime militar, esmerou-se em limitar os poderes e a liberdade do presidente da República e de reforçar o papel do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público. O resultado foi um presidencialismo fraco, com pouca autonomia executiva e pouca capacidade de resolver problemas.
Os poderes do Judiciário e do Ministério Público, por si mesmos, não deveriam constituir uma disfunção institucional, não fossem os excessos e extravagâncias de alguns de seus membros. Mas este é um capítulo que demanda mais espaço para ser convenientemente discutido. O problema central está no funcionamento do Legislativo.
Um Poder Legislativo, para funcionar, precisa que os partidos sejam poucos, verdadeiros, expressem correntes de opinião e funcionem de modo democrático. Não é, de modo algum, o que existe no Brasil hoje. Temos cerca de 30 partidos representados no Congresso, todos bem financiados com recursos públicos. Como não há 30 correntes de opinião na sociedade brasileira, a maioria desses partidos não representa coisa alguma — são meras associações de interesses.
Esses falsos partidos são comandados centralmente por uma pessoa ou um pequeno grupo, que licencia a legenda em cada estado para um político. A licença vem acompanhada de uma parcela dos fundos partidários e do poder de formar as chapas eleitorais de um modo que beneficie o político licenciado. O partido não tem convenções e, nos estados e municípios, é comandado por comissões provisórias, que podem ser dissolvidas a qualquer tempo pela direção nacional. Como não tem identidade política, cada parlamentar é livre para negociar seus votos e opiniões diretamente com o governo.
Nas democracias representativas, os governos negociam com partidos ou blocos um programa de governo, cujo êxito aproveita a todos. Aqui, é preciso negociar com centenas de parlamentares individualmente, em troca de emendas, cargos e outras vantagens. É uma tarefa extenuante, que consome as energias do governo, sem proporcionar uma maioria estável para cumprir um programa político.
Nesse sistema, embora eleito por uma maioria de milhões de pessoas, o presidente não tem autonomia para executar uma política coerente, com objetivos de longo prazo, ficando permanentemente exposto aos humores de grupos parlamentares sem identidade política e sem qualquer fidelidade, a não ser aos próprios interesses.
O candidato a presidente é livre para sonhar e prometer. Quando vence e assume o poder, toma consciência da fraqueza de seus poderes, da impotência diante dos problemas que cabe ao governo resolver e torna-se refém de maiorias volúveis e sem responsabilidade pública.
Se o Brasil não resolver esses desvios do sistema político, de pouco adiantará eleger um presidente diferente, pois o país será sempre dirigido do mesmo modo e pelas mesmas pessoas.