Quem quiser que se iluda. A um ano do pleito de 2022, a política econômica do governo Bolsonaro entrou em acelerado modo eleitoral. Quando falou das pressões da ala política e da incompreensão dos jovens integrantes de sua equipe em relação ao teto de gastos, na entrevista coletiva de sexta-feira, no Ministério da Economia, ao lado do presidente da República, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sinalizou que pretende manipular os instrumentos de que o Estado dispõe para intervir na economia no sentido de construir um cenário favorável à reeleição de Jair Bolsonaro.
É disso que se trata: começou uma corrida maluca para ganhar as eleições, na qual o governo pretende reverter os desgastes de Bolsonaro junto à população de mais baixa renda e, com isso, manter o apoio do Centrão. O carro-chefe da estratégia é o Auxílio Brasil, o programa de Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, além de outros benefícios, como o vale-gás, e o subsídio de R$ 400 para os caminhoneiros abastecerem os tanques de seus veículos. O rombo no teto de gastos pode chegar a R$ 100 bilhões.
O problema é que os R$ 400 anunciados por Paulo Guedes, R$ 100 a mais do que aceitavam os integrantes da equipe econômica que deixaram o governo, liderados pelo então secretário de Tesouro Bruno Funchal, dificilmente serão mantidos pelo Congresso. Não para reduzi-los — pelo contrário; mas para aumentá-los, podendo chegar a R$ 600, como propôs o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa é uma bandeira que a oposição agarrará com as duas mãos, muito provavelmente com o apoio docemente constrangido do Centrão. A conferir.
Cá entre nós, para um governo cujo Orçamento é da ordem de R$ 1,5 trilhão, essa despesa poderia ser feita dentro do teto de gastos, se o valor equivalente fosse remanejado de outros setores do governo, em vez de obtidos por meio de um calote nas dívidas judiciais, ponto de partida da chamada PEC dos Precatórios, e de uma manobra contábil no cálculo do IPCA, que serve de base para a atualização do teto, que deixou de ser de julho a junho para ser de janeiro a dezembro — ou seja, uma mágica que comprova a teoria de que, na política, o tempo é relativo. Na economia também, mas o dono do cronômetro é o mercado.
Estelionato eleitoral
O problema é o “instinto animal” dos agentes econômicos, como diria o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, principalmente de produtores e investidores, porque a manobra não altera positivamente a realidade da economia, da geração de riqueza ao emprego e à renda — pelo contrário. Vejamos:
1) Dólar — O rombo no teto de gastos pode chegar a R$ 100 bilhões, o que vai provocar mais desvalorização da moeda. O mercado estima que a cotação do dólar chegará a R$ 5,80 em dezembro e ultrapassará R$ 6,20 até as eleições de 2022;
2) Inflação — No acumulado de 12 meses até setembro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 10,25%. Foi a maior taxa anual desde fevereiro de 2016;
3) Juros — O Banco Central será obrigado a aumentar ainda mais a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 6,25% ao ano. Na próxima reunião do Copom, deve subir 1,25 ponto percentual e chegar a 8,75% ao ano, em dezembro, subindo para 10,5% em 2022;
4) Crescimento — O avanço esperado de 1,8% para o PIB de 2022 deu lugar a uma expectativa média de 1%. Há quem fale em 0,5% do PIB;
5) EUA — O Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) pode subir os juros, hoje, na faixa entre 0% e 0,25%, em meados do ano que vem;
6) China — O PIB chinês cresceu 4,9% no terceiro trimestre de 2021, o ritmo mais lento em um ano, em razão da crise de energia, das interrupções na cadeia de abastecimento, do agravamento das dívidas do seu setor imobiliário e dos surtos esporádicos de covid-19.
Nesse cenário, o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula emulam propostas de caráter populistas, que tendem a deteriorar ainda mais a situação da economia. Tanto na reeleição de Fernando Henrique Cardoso, com o câmbio fixo, quanto na reeleição do petista, com o Bolsa Família, foi possível interferir na economia para favorecer quem estava no poder, porém numa situação de inflação sob controle. Longe da eleição, com a inflação descontrolada, ninguém sabe o resultado da equação “injeção de dinheiro no bolso dos mais pobres e elevação dos juros”, em termos de atividade econômica. E quem ganhar as eleições, ao assumir, terá que fazer um duro ajuste nas contas públicas.