O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid, apresenta, hoje, o documento final que resume os dados e depoimentos recolhidos em quase seis meses de trabalhos. O calhamaço tem mais de mil páginas e está dividido em 16 capítulos, sendo 10 relacionados aos fatos investigados pela comissão. Propõe, ainda, 70 indiciamentos, entre eles o de Jair Bolsonaro. Mas, ontem à noite, o G7 decidiu não incluir a acusação de genocídio contra o presidente da República.
A apresentação do senador também terá gosto de vitória política. Afinal, deixou os integrantes do G7 — o grupo de parlamentares que pautou as ações do colegiado — na incômoda condição de serem responsáveis pelo eventual enfraquecimento do teor do relatório.
“É normal ter diferenças, mas a política existe para aparar diferenças e chegar a um denominador comum. O relatório não será nem do relator, nem do vice-presidente, nem do presidente. Não conterá individualidade de ninguém. Ele será um relatório da maioria”, afirmou Renan, compartilhando a responsabilidade de melhorar ou piorar o documento.
Ontem, uma minuta do relatório final foi divulgada. O presidente Bolsonaro é enquadrado em vários crimes. “Pela leitura do presente relatório, não há como afastar a responsabilidade do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, no que diz respeito às ações e omissões relacionadas ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. Com efeito, o conjunto probatório revelou que o chefe do Executivo Federal teve inúmeras condutas que incrementaram as consequências nefastas da covid-19 em nossa população, o que não pode passar sem a devida fiscalização por parte desta CPI”, diz um trecho do documento (veja no quadro alguns dos 73 citados e a minuta completa no site do Correio).
O documento faz pesada crítica à conduta não apenas de Bolsonaro, mas de figuras do seu governo, além de jogar luz sobre o chamado “gabinete paralelo” que estaria por trás da defesa que o Palácio do Planalto fazia do kit covid — que inclui medicamento sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19, como cloroquina, ivermectina e azitromicina. Esse mesmo grupo propunha, ainda, a “imunidade de rebanho” e, segundo a CPI, teria sido o responsável por lançar as desconfianças sobre a vacina contra a covid, que provocaram o atraso na aquisição pelo Ministério da Saúde.
“Diante dos trabalhos realizados por esta comissão, foi possível colher elementos de prova suficientes para comprovar a existência de um gabinete paralelo, composto por médicos, políticos e empresários, que, ao longo dos anos de 2020 e 2021, prestava orientações ao presidente da República sobre o modo como a pandemia da covid-19 deveria ser enfrentada, bem como participava de decisões sobre políticas públicas, ao arrepio das orientações técnicas do Ministério da Saúde, sem ter investidura formal nos cargos públicos responsáveis por essa função”.
Sobre o tratamento precoce, a minuta do relatório mostra a contribuição do Ministério da Saúde pela sua disseminação, uma vez que jamais condenou veementemente a utilização. “No caso brasileiro, a despeito da avalanche de evidências contrárias ao tratamento precoce, o Ministério da Saúde admitiu, talvez um tanto tardiamente, que medicamentos presentes no chamado kit covid não apresentam benefícios clínicos apenas para pacientes hospitalizados, razão pela qual recomenda a sua não utilização. Contudo, sua posição sobre o uso desses fármacos nas fases iniciais da doença ainda não é clara. Isso é o que se depreende das informações encaminhadas pela pasta da Saúde a esta CPI”.
A comissão jogou luz, ainda, em um esquema de fraudes na compra de medicamentos, que envolvia militares e funcionários do Ministério da Saúde. Alertou, também, para as mortes, em contexto de desídia do governo, de centenas de pessoas, em janeiro passado, no Amazonas, por falta de oxigênio nas unidades hospitalares. E chamou a atenção para uma rede de desinformação, com suposta participação do Palácio do Planalto, que promoveu o kit covid, atacou a vacinação e atuou contrariamente às medidas de isolamento social no auge da pandemia.
A CPI começou a funcionar em 27 de abril. Ao longo de quase seis meses, colheu mais de 50 depoimentos, quebrou 251 sigilos, analisou 9,4 terabytes de documentos e fez mais de 60 reuniões. Se aprovadas, as propostas de indiciamento devem ser encaminhadas ao Ministério Público, à Câmara dos Deputados e até ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda. A data da votação do relatório final documento está prevista para o dia 26.
Alguns dos possíveis citados
Presidente
JAIR BOLSONARO
Ministros
EDUARDO PAZUELLO — Ex-ministro da Saúde
MARCELO QUEIROGA — Ministro da Saúde
ONYX LORENZONI — Ministro do Trabalho e Previdência
ERNESTO ARAÚJO — Ex-chanceler
WAGNER ROSÁRIO — Ministro-chefe da Controladoria Geral da União
WALTER BRAGA NETTO — Ministro da Defesa
Ministério da Saúde
ELCIO FRANCO — Ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde
MAYRA PINHEIRO — Secretária de Gestão do Trabalho e da
Educação na Saúde do Ministério da Saúde
ROBERTO FERREIRA DIAS — Ex-diretor de logística do Ministério da Saúde
Empresários e lobistas
LUIZ PAULO DOMINGUETTI — Representante da Davati no Brasil
MARCELO BLANCO — Ex-assessor do Departamento de Logística do
Ministério da Saúde
FRANCISCO MAXIMIANO — Sócio da Precisa Medicamentos
MARCOS TOLENTINO — Suposto sócio oculto da empresa Fib Bank
Parlamentares
RICARDO BARROS — Deputado Federal e líder do governo
FLÁVIO BOLSONARO — Senador
EDUARDO BOLSONARO — Deputado Federal
BIA KICIS — Deputada Federal
CARLA ZAMBELLI — Deputada Federal
OSMAR TERRA — Deputado Federal
CARLOS JORDY — Deputado Federal
Gabinete Paralelo
NISE YAMAGUCHI — Médica
ARTHUR WEINTRAUB — Ex-assessor da Presidência da República
CARLOS WIZARD — Empresário
Divulgadores e financiadores
ALLAN DOS SANTOS — Blogueiro
LUCIANO HANG — Empresário
OTÁVIO FAKHOURY — Empresário
BERNARDO KUSTER — Blogueiro
OSWALDO EUSTÁQUIO — Blogueiro
LEANDRO RUSCHEL — Blogueiro
Gabinete do Ódio
CARLOS BOLSONARO — Vereador da cidade do Rio de Janeiro
FILIPE G. MARTINS — Assessor Especial para Assuntos Internacionais do Presidente da República
TÉCIO ARNAUD TOMAZ — Assessor especial da Presidência da República