Nas entrelinhas

A mão que afaga...

A reação do mercado financeiro à notícia de que o presidente Jair Bolsonaro anunciaria o valor de R$ 400 mensais para o chamado Auxílio Brasil, programa de transferência de renda com o qual o governo federal pretende substituir o Bolsa Família, a marca social do governo Lula, foi a pior possível. O Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, despencou 3,28%, a maior queda desde 8 de setembro, e o dólar comercial subiu 1,33%, fechando a R$ 5,594 na venda, maior alta diária em duas semanas.


O ministro da Economia, Paulo Guedes, teria jogado a toalha em relação ao teto de gastos, ao aceitar o valor de R$ 400, na reunião com o presidente Bolsonaro e os ministros da ala política do governo: Ciro Nogueira (Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Fábio Farias (Comunicações), ocorrida na segunda-feira à noite. São R$ 100 a mais do que a equipe econômica propunha.


Em meio a boatos de que a equipe econômica teria implodido, o presidente da República resolveu suspender o ato de lançamento do novo programa, com os convidados no salão do Palácio do Planalto. Simultaneamente, emissários de Guedes negociavam uma solução salomônica para o problema com o presidente da Câmara, Artur Lira (PP-AL): a inclusão de parte dos recursos destinados ao Auxílio Brasil na chamada PEC dos Precatórios, cujo relatório seria apresentado hoje.


Bolsonaro não quer abrir mão do valor estabelecido na reunião, mesmo tendo adiado o lançamento do programa. Apenas deu mais tempo ao ministro Guedes para encontrar uma fórmula que permita ao governo furar o teto de gastos sem caracterizar uma “pedalada fiscal”, que é crime de responsabilidade. A saída sugerida por Guedes é tirar o dinheiro dos precatórios, aprovando a PEC que possibilita o calote nas dívidas da União, parcelando-as, o que enfrenta forte resistência dos meios jurídicos.


Precatórios são dívidas judiciais consolidadas, que cresceram exponencialmente nos últimos anos, inviabilizando o orçamento de investimentos do governo. Como a reforma administrativa não sai, e se sair não terá impacto imediato nas despesas com pessoal, o cobertor ficou curto para implantar o Auxílio Brasil. Ainda mais porque as emendas parlamentares ao Orçamento da União são “imexíveis”.

Nas graças do Centrão

A última parcela do auxílio emergencial, de R$ 300, está sendo paga neste mês. Para novembro, a intenção de Bolsonaro é começar a pagar o novo Auxílio Brasil, programa lançado para substituir o Bolsa Família no ano da eleição. A queda de braço entre os representantes do Centrão no governo e a equipe econômica está se acirrando, na medida em que se aproximam as eleições. O pessoal da Fazenda pretendia manter o valor de R$ 300 do auxílio emergencial, bem acima do Bolsa Família, que hoje representa R$ 189. Bolsonaro tomou partido do Centrão.


A proposta apresentada ontem previa um reajuste do Bolsa Família, que passaria a R$ 240, em caráter permanente. Um benefício variável transitório, com data de validade até o fim do ano que vem, ou seja, até o final do mandato de Bolsonaro, completaria o auxílio, para beneficiar 17 milhões de famílias com R$ 400. O Bolsa Família hoje atende 14,7 milhões de famílias. O custo do novo programa seria de R$ 84 bilhões, ou seja, R$ 30 bilhões acima do teto de gastos.


O problema é que o governo afaga a população de baixa renda com uma das mãos e tira seus recursos com a outra, na medida em que perde o controle da inflação. O custo dos alimentos, do gás, da energia elétrica e dos combustíveis, tudo faz com os preços subam, e o deficit fiscal seja financiado pelos mais pobres. Há muitas controvérsias entre os economistas quanto ao teto de gastos, o que é música para Bolsonaro e os políticos, tanto os do Centrão como os de oposição. Mas, até agora, ninguém ousou defender a inflação como forma de financiar o crescimento, tese sepultada pelo Plano Real, mas que não será nenhuma novidade se ressurgir das cinzas. Sobretudo se o Banco Central (BC) elevar ainda mais os juros para conter a alta de preços.