Nas entrelinhas

CPI tropeça no sucesso

O sucesso da CPI da Covid parece que subiu à cabeça dos seus principais integrantes, na reta final dos trabalhos. O desentendimento público entre o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), e o relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), às vésperas da apresentação de seu relatório final, não tem nenhuma explicação plausível, a não ser a fogueira das vaidades. Não se trata apenas do vazamento do teor do relatório, que supostamente indiciaria 51 pessoas, entre as quais o presidente Jair Bolsonaro, em 11 crimes, de responsabilidade a genocídio, além de seus filhos. Há divergências de conteúdo.


Aziz reclamou, com razão, de não ter tomado conhecimento do relatório a não ser pelos jornais e também ponderou que não seria prudente, para evitar a judicialização de sua aprovação, que fosse lido na terça-feira e aprovado no dia seguinte. “É do conhecimento do relator que tinha divergência em relação ao genocídio. Então, vazou esse relatório sem saber que a gente queria discutir essa questão”, afirmou. Aziz também contesta sugestões de indiciamento pelo crime de genocídio contra povos indígenas.


Ex-governador do Amazonas, Aziz conhece bem a questão indígena. O Amazonas é o estado que mais possui etnias no país. “Todos os índios tiveram, sem exceção, duas doses (de vacina)”, argumenta. Um relatório paralelo divulgado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) corrobora o entendimento do presidente da comissão. Delegado de polícia civil, o parlamentar sergipano avalia que só existem provas robustas para indiciar o presidente Bolsonaro em crime de responsabilidade (art. 7º, número 9, da Lei 1.079/50); crime de epidemia (art. 267 do Código Penal); infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do Código Penal); incitação ao crime (art. 286 do Código Penal); e crime contra a humanidade (art. 7º do Estatuto de Roma).


O ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto, hoje ministro da Defesa, e o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, segundo Alessandro, só poderiam ser indiciados por crime de responsabilidade, crime de epidemia e crime contra a humanidade. O ex-secretário executivo do Ministério da Saúde Élcio Franco, em crimes de epidemia e contra a humanidade. Estão no rol de suas sugestões para indiciamento os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da secretaria-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, e os ex-ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo e da Cidadania Osmar Terra (MDB-RS), além do deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, e alguns militares e médicos que atuaram na cadeia de comando do SUS — a maioria por causar epidemia, crime contra a humanidade e/ou incitar ao crime.

Riscos

Qualquer avaliação do resultado da CPI dependerá do relatório que vier a ser aprovado. Até aqui, a comissão foi um sucesso reconhecido, por desnudar a atuação do governo federal durante a pandemia e ter, efetivamente, contribuído para a vacinação em massa da população. A estratégia do governo era o uso indiscriminado do “kit covid” como placebo e a aposta na chamada “imunização de rebanho”, sem levar em conta a alta letalidade do vírus. Entretanto, a CPI teve dificuldades para avançar no seu trabalho por falta de instrumentos para investigação criminal, principalmente no caso da compra de vacinas.


O desentendimento entre o presidente da CPI e seu relator é uma complicação imprevista, que racha o chamado “grupo dos sete”, a maioria formada no âmbito da comissão, que garantiu seus trabalhos. Algumas CPIs já fracassaram por má condução, como a do Futebol (2007) e a dos Cartões (2008). As CPIs da Corrupção (1988), do PC Farias (1992), dos Anões do Orçamento (1993), do Judiciário (1989), do Banestado (2003), dos Correios (2005), dos Bingos (2006), dos Sanguessugas (2006), do Apagão Aéreo (2007) e do Cachoeira (2012) foram bem-sucedidas.


Às vezes, as CPIs são algozes de seus protagonistas. A do Orçamento acabou cassando os mandatos do presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro (MDB-RS), e do líder do MDB, Genebaldo Correia (BA), entre outros. A CPI dos Correios, em 2005, fruto de uma denúncia do presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ), resultou na sua própria cassação, e de outros parlamentares, como o então deputado José Dirceu (PT-SP).


Desfecho surpreendente teve a do Judiciário, em 1989. Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), no segundo mandato como presidente do Senado, protagonizou a abertura da CPI contra a corrupção, o tráfico de influências, a má gestão e o nepotismo no Judiciário. ACM havia revelado a lista de todos que votaram contra e a favor de Luiz Estevão na sessão secreta que resultou na cassação do mandato do então senador, em junho de 2000. A crise culminou com as renúncias do parlamentar baiano e de José Roberto Arruda, na época líder do governo no Senado.