Três anos após ser ameaçada de extinção pelo então candidato Jair Bolsonaro, a chamada “velha política” não só se mantém viva como já se estrutura para buscar um novo ciclo de poder nas eleições de 2022. O agrupamento de partidos conhecido como Centrão, historicamente associado à prática do “toma lá, dá cá”, hoje dá as cartas no governo, com o controle da máquina pública e da destinação de verbas de emendas parlamentares a redutos eleitorais de políticos aliados. Além disso, os caciques das principais siglas terão mais de R$ 3 bilhões dos fundos partidário e eleitoral para apoiar não só suas candidaturas como as de seus aliados mais próximos.
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Diferentemente das promessas de campanha, Bolsonaro acabou se tornando refém do apoio de representantes da política tradicional, e essa condição se reforça à medida que seus índices de popularidade despencam e as chances de reeleição no ano que vem ficam mais distantes. Em retribuição, o presidente não tem economizado recursos públicos para manter os novos aliados por perto.
Os caciques da velha política, aos quais, agora, Bolsonaro presta reverência, querem dar o troco nas urnas no ano que vem. Não só pretendem expurgar parte dos parlamentares que se sagraram no pleito de 2018 como acreditam que a velha política será fundamental para dar sustentação ao próximo presidente, seja ele quem for. O “novo” pregado por Bolsonaro foi engolido pela realidade.
Na troca de favores, o governo tem lançado mão, principalmente, das emendas do relator-geral do Orçamento da União no Congresso, também chamadas de RP9. Ao contrário do que ocorre com as emendas parlamentares individuais e de bancada, nelas não há transparência sobre as indicações das verbas, e os acordos são firmados entre a cúpula do Congresso e o Executivo, privilegiando alguns parlamentares. Dessa forma, fica mais difícil fiscalizar se o dinheiro está sendo bem aplicado ou se houve barganha em troca de apoio político, por exemplo. O presidente da Câmara, Arthur Lira, é o maior expoente desse grupo.
Outro diferencial das emendas do relator em relação às demais é que elas não têm execução obrigatória. Mesmo assim, em plena crise econômica, a liberação desses recursos pelo governo está a todo vapor. Segundo dados do Siga Brasil, sistema de informações sobre o orçamento público federal, para 2021 foram autorizados R$ 16,8 bilhões de recursos de emendas RP9. Até 13 de setembro, dos R$ 5,2 bilhões que foram empenhados (reservados para pagamento), R$ 2,7 bilhões já haviam sido pagos.
Em junho, técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) concluíram, após uma auditoria, que o mecanismo usado para distribuir bilhões de reais das emendas de relator é incompatível com a Constituição. Os auditores apontaram falta de transparência, de critérios e de equidade no repasse dos recursos. A apuração foi realizada após o jornal O Estado de S. Paulo revelar que o Ministério do Desenvolvimento Regional destinou R$ 3 bilhões em emendas para políticos aliados e que parte dos recursos foi gasta na compra de tratores com preços até 259% acima dos valores de referência.
Também em junho, ao aprovarem as contas do governo de 2020, os ministros do TCU, ao contrário dos técnicos, não viram inconstitucionalidade na prática, mas recomendaram que o Executivo disponibilizasse informações transparentes sobre as emendas, em uma plataforma centralizada e de acesso público. Até hoje, porém, nenhuma providência foi tomada e ainda não é possível identificar os parlamentares beneficiados.
Controle
O senador Marcio Bittar (MDB-AC), aliado do Planalto, é o relator-geral do Orçamento de 2021. Já Arthur Lira, um dos principais caciques do Centrão, tem o controle sobre a distribuição de R$ 11 bilhões em emendas RP9 entre deputados. Os R$ 5,8 bilhões restantes dessa modalidade de emenda, destinados ao Senado, são distribuídos pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), outro líder do bloco de partidos que dá sustentação ao governo. Ciro é um dos cotados para concorrer ao governo do Piauí em 2022, ao passo que Lira deve tentar a reeleição como deputado.
Para o deputado Ivan valente (PSol-SP), a “velha política voltou e ainda mais sofisticada”. “Bolsonaro está muito enfraquecido e precisa de um apoio grande no Congresso. Ele partiu direto para a compra de votos. Só que essa compra de votos está se dando por meio das emendas de relator”, ressalta. “É óbvio que isso tem nome: se chama toma lá, dá cá e se chama corrupção.”
Na opinião do deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), não há política velha ou nova. “O que houve foi que venderam uma narrativa de que, até então, tudo e todos não prestavam e que o grupo que se apresentara era dos mocinhos”, ressalta. “Na política, sempre existiram os que tiram proveito próprio e os que exercem, de fato, o papel de homens e mulheres públicas. Emenda não é sinal de corrupção. É uma ferramenta lícita para que os que conhecem suas bases levem o investimento certo para o lugar que precisa. Se usam como moeda de troca, o erro está em quem usa a caneta de maneira errada.”
Já o ministro da Cidadania, João Roma, condena o termo Centrão. “É uma palavra pejorativa. A política é formada por personagens da política, por políticos tradicionais que têm um espaço, uma legitimidade, uma vinculação com o povo brasileiro”, defende. “Vão ocupando espaço dentro da estrutura de poder justamente pelo histórico, pela acessibilidade.” (Colaborou Luana Patriolino)
Represália
Anteriormente, a destinação das verbas das emendas de relator para parlamentares do Senado era controlada pelo então presidente da Casa Davi Alcolumbre (DEM-AP). Ele perdeu esse poder depois que representantes do Centrão passaram a dar expediente no Palácio do Planalto. Comenta-se, nos bastidores, que essa é uma das razões para o político do Amapá, atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, resistir em marcar a sabatina do ex-advogado-geral da União André Mendonça, indicado por Bolsonaro para ocupar a cadeira vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).