Combustível

Interferência que Bolsonaro ameaça fazer na Petrobras lembra Dilma, diz consultora

Diante da impossibilidade de fazer com que os preços dos derivados de petróleo deixem de subir e não impactem a inflação, presidente insinua ingerências na Petrobras e mais conflitos com governadores por causa do ICMS, a quem responsabiliza pela carestia nas bombas

Na última vez que o presidente Jair Bolsonaro interferiu na Petrobras para tentar frear o aumento dos preços nos combustíveis, anunciou a demissão de Roberto Castello Branco — substituído pelo general da reserva Joaquim Silva e Luna — e provocou a perda de mais de R$ 100 bilhões em valor de mercado da estatal em apenas quatro dias. A estratégia de mexer no comandante da petroleira fracassou. Nove meses depois, o governo se vê às voltas com seguidos aumentos nos preços dos combustíveis — na última terça-feira, a estatal aumentou o preço do diesel em 8,9%. Bolsonaro fala em novas intervenções na empresa e acusa os governadores de serem os responsáveis pelos altos preços cobrados nas bombas, tanto que os ameaça com uma tarifa única para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal fonte de arrecadação das unidades da Federação.

No último dia 27, após Bolsonaro reafirmar a disposição de conter o preço dos combustíveis à força, a Petrobras convocou uma coletiva de imprensa para falar sobre o assunto, o que deixou o mercado financeiro estressado. Silva e Luna, porém, assegurou que a política de correção de valores na refinaria não muda.

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ICMS alinhado

Mas isso não quer dizer que a hipótese de tentar conter os preços dos combustíveis na marra tenha desaparecido no horizonte, nem que o governo buscará uma solução negociada com os governadores. Na última terça-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou, em evento ao lado de Bolsonaro, em Alagoas, que pretende colocar em discussão e votação a proposta que unifica em todo o país as alíquotas do ICMS incidentes sobre combustíveis — o PLP 16/21. A lista inclui gasolina, diesel, biodiesel, etanol e gás natural e de cozinha, além de vários outros derivados de petróleo.


Os especialistas apontam que o ambiente político conturbado não apenas prejudica a busca de uma solução pactuada, como estimula a tensão entre os agentes financeiros, cada vez mais preocupados com uma nova intervenção do Palácio do Planalto na Petrobras. O cenário torna-se ainda mais dramático quando se tem o barril de petróleo tipo Brent fechando, ontem, em torno de US$ 75; o dólar comercial encerrando o dia em R$ 5,37; e a gasolina ultrapassando os R$ 6,50, o litro, em algumas cidades.

“Bolsonaro deveria tentar trazer estabilidade para o mercado. Como ele pode fazer isso: simplesmente obedecendo à regra do jogo, trazendo menos incertezas desnecessárias, trazendo mais confiança e serenidade ao debate. Quando o governo fala que quer colocar uma tarifa única para todos os estados, uma alíquota nominal em vez de um percentual, quer um valor fixo. Sinaliza para estados e municípios que eles podem ter algum tipo de perda. A partir daí, os governadores questionam: por que você vai mexer na minha arrecadação? Por que você não tira da sua?”, explicou o professor do Instituto Brasileiro de Mercados e Capitais (Ibmec), William Baghdassarian.

Como com Dilma

Para analista Vitoria Saddi, consultora da SM Manage Futures, a interferência que Bolsonaro ameaça fazer lembra o período da ex-presidente Dilma Rousseff — quando, por intervenção direta do então Ministério da Fazenda na Petrobras, os preços dos combustíveis foram artificialmente contidos a fim de que não impactassem a inflação.

“Isso cansa o mercado. O dólar sobe, gera expectativa de incerteza. É preciso fazer corte de gastos, mas isso é impopular. E ele (Bolsonaro) faz, como na década de 1980, uma tentativa de congelamento de preços. Não quer subir preços para não subir a inflação. Está combatendo o efeito, e não a causa. A única forma de não fazer isso na Petrobras é cortar gastos, subir ainda mais a taxa de juros e abrir a economia. E eles não estão dispostos a fazer isso na época eleitoral”, concluiu.

Para o cientista político Adriano Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Bolsonaro está em um buraco que ele mesmo cavou. “Ele não quis dar continuidade às políticas sociais dos governos anteriores. O liberalismo de Guedes não cabe na sociedade brasileira, diante das características que temos. Veio a crise sanitária que exigiu que o Estado, assim como ocorreu em outras economias, estivesse presente junto à população com políticas sociais. Bolsonaro foi pego de surpresa e não tinha orçamento. A desconfiança sobre o governo cresce mais ainda”, pontuou. (Colaborou Fabio Grecchi)

Lira promete solução para segurar subidas

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), entrou no circuito para tentar achar alguma solução às constantes altas dos preços dos combustíveis. Ele se reuniu, ontem, com o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, e anunciou, nas redes sociais, que passará o fim de semana em conversas e trativas para buscar alternativas, dentro do Congresso, para segurar a rota de subida da gasolina, do diesel e do etanol no bolso do consumidor. Lira quer aproveitar o momento em que a Câmara dos Deputados aprovou, nesta semana, o programa “Gás Social” — uma espécie de vale-gás que vai reduzir pela metade o preço do botijão de cozinha para famílias de baixa renda — para apresentar algo semelhante em relação aos combustíveis. “Com todo gás, seguimos na luta pela redução nos preços dos combustíveis, mas já temos decisões práticas. A Câmara aprovou o ‘Gás Social’, que corta pela metade o preço do botijão para famílias com baixa renda”, afirmou Lira, por meio de suas redes sociais.