Ex-mulher de Valdemar Costa Neto, o dono do PL — partido que integra o Centrão, a base política do governo de Jair Bolsonaro —, Maria Christina Mendes Caldeira, 55 anos, lamenta o péssimo momento vivido pelo Brasil. Asilada em Miami, nos Estados Unidos, onde está sob proteção de autoridades locais, ela acredita que esse grupo de legendas altamente fisiológicas abandonará o presidente da República tão logo fique claro que ele não terá chances de se reeleger em 2022. Ela dá até prazo: em junho.
Usando a máxima de Costa Neto, com quem ela viveu por quase quatro anos, diz que, com o Centrão, “não tem amizade, é só interesse”. Assim, acredita Christina, enquanto esse grupo estiver sugando o que pode do governo, dará apoio ao presidente, mas, com a proximidade das eleições, falará mais alto a perspectiva de poder. Costa Neto, por sinal, já deu sinais de que não está satisfeito com o que vem obtendo do Palácio do Planalto. Em vídeos recentes, criticou posições de Bolsonaro, como a defesa do voto impresso, e afirmou que o PL não está fechado em relação às próximas eleições.
O depoimento de Christina, durante a CPI do Mensalão, no primeiro mandato de Lula, foi devastador, revelando esquemas de corrupção, como uma doação de US$ 5 milhões que teria sido feita por Taiwan à campanha do petista para que o Brasil reconhecesse o país asiático independentemente da China. Costa Neto foi parar na cadeia, e ela teve de deixar o Brasil. Nos Estados Unidos, já fez trabalho como motorista de aplicativos e corretora de imóveis. Ao vencer uma disputa com um irmão e um tio por parte da herança da família, promete usar parcela do dinheiro para difundir uma imagem mais otimista do Brasil, em especial, em relação à Amazônia.
Nascida em uma família quatrocentona de São Paulo, Christina defende um espaço maior para as mulheres na política. Afirma que, infelizmente, os brasileiros são lenientes com a corrupção, pois fecham os olhos aos malfeitos quando se beneficiam deles. E ressalta que, se fizesse, hoje, denúncias contra o governo Bolsonaro, como fez contra o PT, estaria morta. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A senhora participou de momento importante. Mostrou a face da corrupção, ao expor parte do esquema do mensalão. Como avalia o momento que estamos vivendo? O atual presidente foi eleito com a bandeira anticorrupção, mas os mesmos personagens continuam dando as cartas?
O que eu vejo é que a corrupção é uma coisa que está no inconsciente coletivo do Brasil desde a época da fundação do país, quando os portugueses vieram para tirar tudo o que podiam e levar para Portugal. Então, acho que a corrupção, as capitanias hereditárias, os cartórios, isso tudo nada mais é do que uma forma oficial de se criar um mecanismo para a corrupção. Acho que o Brasil foi construído como uma colônia, não como uma nação, diferentemente do que se viu nos Estados Unidos, em que as pessoas vieram para formar uma nação e não para explorar, como na maioria dos países da América Latina, que foram todos colônias. O Brasil é o único país do mundo onde existe a Lei de Gerson.
O país do jeitinho, de levar vantagem...
O país em que o poder público cria dificuldades para vender facilidade, independentemente do partido (que esteja no governo).
A senhora, por exemplo, entregou seu ex-marido, Valdemar Costa Neto, que participava do esquema de corrupção do mensalão.
Eu me casei com uma pessoa, mas descobri outra. Minha relação pessoal com ele é uma coisa, outra, é com a pessoa pública que é o Valdemar, representante claro da política real brasileira. Ele é um puro-sangue do Centrão, é o cara que melhor opera hoje no Brasil, tanto que continua dando as cartas.
Ele está na base de apoio do governo Bolsonaro. O PL, partido que comanda, é um dos ícones do Centrão.
Ele, assim como todo Centrão, Roberto Jefferson (PTB), Ciro Nogueira (PP), Michel Temer (MDB). Todos estão sempre apoiando os governos, qualquer que seja, em troca de alguma benesse. O Centrão nunca está apoiando um governo por ideologia, mas por interesse. Hoje, eu consigo ter o distanciamento necessário para entender tudo que acontece no Brasil e que, para mim, não fazia sentido. Por isso, em vez de falar dele (Valdemar), do Ciro Nogueira, do Roberto Jefferson, do Renan (Calheiros), do (Romero) Jucá, do (José) Sarney, que estão operando desde a Ditadura, eu falaria que (tudo de errado) está na construção da mentalidade do Brasil.
Sente-se decepcionada por ter denunciado um esquema de corrupção, mas todos os personagens continuarem dando as cartas na política brasileira?
Já passei por uma campanha (política). Fui candidata em 2006 pelo Partido Verde, portanto, entendo como funciona o sistema. Partido no Brasil é negócio. Para se fazer uma campanha, é preciso muito dinheiro. Chegavam para mim e falavam: ‘Olha, eu consigo para você tantos votos e cada um custa R$ 30, você me paga tanto por tantos votos’. Assim, é um business. A única coisa que tenho certeza é do seguinte: a formação de consciência cidadã no Brasil está toda invertida, a culpa não é do João, do Manuel, do Joaquim, do Valdemar ou do Roberto Jefferson. O sistema é maior do que eles. Não estou, de forma alguma, os desculpando pelo que fizeram, o que eu quero dizer é que não há salvador da pátria, é preciso, sim, uma postura de cidadania deferente.
O brasileiro é leniente com a corrupção?
É leniente com a corrupção desde que ela o favoreça. Há três coisas que o brasileiro não tem, a começar pelo senso de comunidade. Nos Estados Unidos, todos os meus amigos fazem trabalhos voluntários. Não é dar dinheiro, mas dedicar um dia por semana, um dia por mês, para fazer um trabalho voluntário. Isso, por mais rico que seja. É uma forma de ter acesso, de entrar em contato com a realidade. No Brasil, a pessoa, no máximo, dá uma fortuna para um projeto social, mas não sabe nem o que está acontecendo, não sabe os problemas reais. Fui criada numa família quatrocentona. Eu não teria feito o que eu fiz se não tivesse sido educada fora do Brasil. Na minha cabeça, fiz o que fiz por uma questão de cidadania.
Mas se arrepende do que fez?
Sim, eu me arrependo.
Por quê?
Porque paguei um preço altíssimo, prejudiquei algumas pessoas, mas, na realidade, nada mudou. Mataram meu pai. Passei um inferno, e não adiantou nada, não mudou nada. O sistema é maior, o sistema come tudo, e o eleitor não trata o político como funcionário público. O político não é popstar, não é Deus, é um funcionário público que tem que dar exemplo para ser respeitado. O cidadão está acima da política, os políticos passam.
Como vê o papel das mulheres na política?
É inaceitável uma participação tão pequena das mulheres na política. É um dos problemas do Brasil. Esse absurdo é tão grande que há mais mulher na política em Dubai do que no Brasil. Por eu ter sido candidata, sei como é a estrutura dos partidos. Eles colocam as mulheres para carregar piano, mas para eleger homens. É uma situação que, se não for consertada, permitirá que venha um novo mensalão, dinheiro na cueca, panetone, oração da propina.
Como avalia o presidente Jair Bolsonaro?
O que acho de Bolsonaro é o seguinte: ele detesta mulher. Ele foi a vida inteira do baixo clero (do Congresso), tem uma formação mental meio limitada. Com ele (na Presidência), o Brasil virou uma coisa meio aquele filme da república das bananas.
A senhora vive hoje nos Estados Unidos. É difícil lidar com o que está acontecendo no Brasil?
Eu adoro o Brasil, mas o país ficou contaminado pela política, que ficou maior do que o país. As qualidades do Brasil sumiram. Perante os estrangeiros, a música, a arte, a criatividade, a alegria, tudo sumiu. O Brasil virou uma piada de salão. Mas o desastre político não vem de agora. Com Bolsonaro, assim como com (Donald) Trump nos Estados Unidos, as coisas pioraram. Os outros (que estavam no governo) eram mais comedidos. Agora, virou uma coisa tragicômica, novela mexicana.
É possível mudar isso?
Estou fazendo um projeto que chama Together for us, e o nosso primeiro trabalho será valorizar a Amazônia e a parte bonita do Brasil. Tenho vergonha de falar para as pessoas que o Brasil não tem só isso que estamos vendo.
Como foi abrir mão de uma vida confortável no Brasil para viver com restrições nos Estados Unidos, onde está sob proteção do governo?
Eu revisitei quem eu sou, porque, durante muito tempo, neguei a minha origem. Tenho um problema aqui, e isso eu quero que você fale. É o seguinte: quando meu pai morreu, estava tão fissurada em política que meu tio e meu irmão começaram a roubar a minha herança. Agora, acabei de ganhar uma ação no Supremo Tribunal Federal, e vou receber a minha herança de volta. Com o dinheiro que receber, farei uma fundação com o nome do meu pai. E um dos trabalhos da fundação será promover o lado bom do Brasil que ninguém fala.
O Brasil ainda pode dar certo?
O que posso dizer é que não existe projeto de nação, existem projetos de poder que, a quatro anos ou a cada oito anos, mudam. Outra coisa: o empresariado, em vez de dar dinheiro para campanha política para, depois, ter um espaço útil em Brasília, deveria destinar recursos para promover a imagem do país numa iniciativa desvinculada de governo e partidos. Mas ele vai e negocia com João, Manuel e Joaquim, que serão os farsantes de poder dele em Brasília.
E assim se monta um esquema de corrupção.
Sim. O empresário compra um lobista full time. Ele dá o dinheiro para campanha, e o parlamentar que ajudou a eleger vai fazer lobby para ele.
Acha possível mudar essa mentalidade?
Acho que a mudança dessa mentalidade vem da cidadania,de uma nova postura do empresariado, porque, vou te falar uma coisa, o político é um lixo, o político é a ponta do iceberg, ele é o reflexo de uma sociedade que está o tempo inteiro tentando levar vantagem.
É até hipocrisia do brasileiro sair em passeata pedindo o fim da corrupção, mas, no fim, ele mesmo se beneficiar disso no dia a dia.
É exatamente isso: eu vou lá falar do político, mas, não necessariamente, eu sou honesto. No caso do mensalão, eu fui lá depor, só que o Roberto Jefferson, fato que eu só revisitei agora, tentou me oferecer uma mala de dinheiro, queria que eu falasse o que ele mandasse contra o Valdemar. Ele queria que eu apresentasse fake news, uma foto falsa do Valdemar. E trouxe uma mala com R$ 700 mil para me pagar. Eles estão acostumados com todo mundo se vendendo. Então, onde está a mudança? Está em que mais mulheres participem da política, por um simples motivo: mulher, em geral, tem propósito. Por exemplo, eu adoro a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
Ela pode ser candidata à Presidência da República.
Se tivesse que apoiar alguém, eu a apoiaria. E vou te dizer o porquê. Primeiro, porque ela está no partido que é o maior bordel do Brasil, mas que tem maior capilaridade no país. O MDB tem diretório em qualquer buraco do Brasil. A senadora tem um bom histórico, sabe como funciona a política e, pelas entrevistas que eu li dela, é extremamente coerente. Eu só não sei como é a relação dela com a sustentabilidade do meio ambiente, já que vem de um estado onde o agrobusiness manda. E, para mim, sustentabilidade é importante.
Como é ter origem em uma família rica, quatrocentona, e trabalhar como motorista da Uber nos Estados Unidos?
Primeiro, estudei na Columbia University, em Nova York, e em Berkeley, na Califórnia. Então, os Estados Unidos são muito cômodos para mim. Também morei em Paris e Milão. O problema é que, agora, sou asilada e, de uma certa forma, não posso sair dos EUA, porque estou sob proteção deles e, aqui, sou monitorada. Se eu for para o Brasil, não posso voltar. Há dois anos, tentei ir para Dubai, porque sou amiga dos árabes, e eles não deixaram. Se acontecesse alguma coisa comigo lá, cairia nas costas dos Estados Unidos.
Mas como foi se transformar em motorista da Uber?
Qual é melhor jeito de você conhecer uma cidade? É ser motorista da Uber. Hoje, eu conheço todos os bairros de Miami e Fort Lauderdale. Também sou corretora de imóveis, mas não gosto disso. Outra coisa: aqui, nos EUA, trabalhar não é vergonha. Depois de tudo o que eu passei, o Valdemar foi a coisa mais difícil que vivi, mas ele também foi o maior professor que eu tive.
Como assim?
Porque eu aprendi como é a política real, a baixaria que é, um bordel. Apesar de eu ter uma consciência um pouco maior do que as outras pessoas, foi o que passei com Valdemar que me fez entender o que é a política real.
Qual é a sua formação?
Eu me formei em Milão, no Instituto Marangoni, uma escola de moda. Também trabalhei com um costureiro que apresentava coleções em Milão e Paris. Depois, trabalhei na Armani, na Dior e na Vogue. E, de repente, me casei com o Valdemar. Estava com 36 anos, tinha voltado de Washington. O Valdemar estava atrás de mim havia sete anos, eu queria ter filho. Eu falei, bom, preciso ter raiz, não posso ficar morando pelo mundo. E, daí, teve aquela tradução que eu fiz em Taiwan, que não estava no script, e resultou no meu depoimento sobre o mensalão. Taiwan teria doado US$ 5 milhões à campanha de Lula para que o Brasil reconhecesse o país independentemente da China.
Qual é a sua expectativa em relação ao Brasil?
Creio que o Brasil está em transição. Acho que (o presidente Jair) Bolsonaro não tem estrutura emocional para segurar o que está vindo pela frente. Ele está refém do Centrão, e isso deve estar custando caro para chuchu. O mantra do Valdemar era: “Aqui não tem amizade, é tudo interesse”. A fatura deve ser alta.
Acredita que o Centrão vai abandonar Bolsonaro, caso fique claro que ele não será reeleito?
Claro que vai. Só que eles vão mamar até a hora que perceberem que não vale mais a pena. Mas, enquanto Bolsonaro for o cara que assina e libera as coisas, tudo bem. Eu dou, no máximo, até junho para o Centrão estar fora do governo. Esse grupo vai apoiar quem tem mais chance de se eleger. Como é a equação política do Centrão? Onde eu ganho mais e onde eu ganho com certeza. Não sei se Bolsonaro se reelege, ele é muito doido.
Como vê um possível embate entre Lula e Bolsonaro nas eleições?
A situação é a seguinte: o que seria do Batman sem o Coringa? Bolsonaro é o maior cabo eleitoral do Lula, e Lula é o maior cabo eleitoral de Bolsonaro. Mas isso sangra o país. Lula tem a favor dele a memória emocional. O tempo de Lula não é tempo de Dilma Rousseff. Para o povo, no tempo de Lula, tinha comida, tinha escola. Agora, entre nós, se eu tivesse feito o que fiz nos tempos do PT no governo de Bolsonaro, estaria morta, porque Bolsonaro é milícia, e seus seguidores detestam mulher. E mulher que pensa então, pronto, acabou.
Acredita que surgirá uma terceira via?
Eu gostaria que a senadora Simone Tebet fosse candidata. Não gostaria que fosse figurinha carimbada. Ciro Gomes, nem pensar, detesto esse homem. Apesar de ele ter uma formação intelectual boa, ele não respeita mulher. No PSDB, vão se matar.
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