A fusão de DEM e PSL, para formar um único partido, levantou dúvidas sobre qual a cara da nova legenda. Chamado de União Brasil, a sigla reúne um partido que historicamente se posicionou como centro-direita, o DEM; e o PSL, que ajudou a eleger o extremista Jair Bolsonaro (sem partido), atraindo vários apoiadores do então candidato, o que resultou na maior bancada da Câmara.
Apesar de ter “brigado” com Bolsonaro, o que resultou na sua saída, a sigla tem, ainda, diversos parlamentares que são fiéis ao governo, como é o caso do líder do PSL na Câmara, Major Vitor Hugo (GO). Apesar de ter se distanciado do governo, a legenda ainda é vista como da direita bolsonarista.
O que se viu nesta quarta-feira (6/10), no entanto, durante a convenção que oficializou a criação do União Brasil, foi uma legenda sem uma ideologia definida, apesar do presidente do DEM, ACM Neto, ter feito um discurso em que ressaltou as principais características do novo partido – a maior parte delas alinhadas com um projeto de centro-direita, com flerte no liberalismo clássico.
Ele citou, por exemplo, a defesa do direito à propriedade; da liberdade e da família como uma espécie de pilar para a sociedade – temas que são frequentemente citados pelo próprio presidente Jair Bolsonaro e por outros líderes conservadores. Ele afirmou, no entanto, que o partido também terá espaço para políticas sociais.
ACM Neto falou, também, que a defesa da democracia será um valor “inegociável” para a nova sigla. “Só há um caminho de determinação do poder político, que é através do voto. Somente a democracia nos garante que mesmo sob a égide da vontade da maioria os direitos das minorias sejam respeitados e seja assegurada a tão necessária e saudável alternância de poder”.
Estratégia eleitoral
Para especialistas, a citação à assistência social é estratégica, já que o país enfrenta uma grave crise social e econômica. O cientista político da FGV, Eduardo Grin, entende que, no atual contexto, deixar de falar em ajudar aos mais pobres como uma política do partido seria “um tiro no pé”. Ele acredita que o União Brasil surge para ocupar o espaço de um partido de centro-direita, diferente do bolsonarismo.
“O partido busca um espectro de direita civilizada no Brasil, longe do que representa o extremismo do Bolsonaro, há espaço para esse tipo de partido de direita conservadora que joga as regras do jogo. Nesse sentido, o partido é bem vindo. Assim como é bem vindo um partido de esquerda porque o país é desigual. Então isso é coerente”, afirmou.
“Eu acho que temas que envolvem a política social são difíceis de entrar, vai ser mais como uma formalidade do que uma realidade”, disse Grin, que destacou que o “casamento” entre PSL e DEM se deu pela conveniência pensando no financiamento de campanhas e em influências para as próximas eleições.
Também é o que avalia André César, cientista político sócio da Hold Assessoria Legislativa. Ele pontua que Luciano Bivar tinha receio de que o PSL voltasse a ser um partido nanico, já que o rompimento com Bolsonaro saiu caro para o próximo pleito. Pelo tamanho da sigla, o fundo eleitoral para o próximo ano deve ser grande.
“Ele sabia que era uma noiva cobiçada e precisava buscar alguém que tivesse ideologia parecida. E o DEM vinha perdendo nomes importantes, como o Maia, pode perder o Pacheco. ACM Neto, porém, tem mais peso do que o Bivar. O DEM, apesar de ser menor, tem influência. Então foi um casamento interessante para os dois lados. E se torna um partido de muito peso”, pontuou.
A política do partido, no entanto, é uma mistura. “Você tem um discurso liberal clássico, mas aí joga auxílio social, tem coisas ali que não casam. O discurso, em suas linhas mestras, é para inglês ver. O que importa é a questão eleitoral, é uma linha já pensando em 2023. Essa legenda vai tentar se encaixar e se enquadrar no que vier no próximo governo”, comentou.
Já Márcio Coimbra, cientista político e coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais do Mackenzie afirma que o novo partido não tem identidade própria. “O PSL é um partido anabolizado pela eleição do Bolsonaro. A gente não sabe quantos vão se reeleger. E assim que Bolsonaro decidir para onde ele vai, os bolsonaristas vão se transferir para o partido para onde ele vai, o que vai dar uma desidratada no novo partido, o União Brasil”, disse.
É difícil, portanto, definir qual será a cara do novo partido, onde devem ficar aqueles que não são bolsonaristas. Na convenção desta quarta, o presidente do novo partido, Luciano Bivar, e ACM Neto disseram que esperam a chegada de vários novos políticos à nova sigla na janela partidária que se abrirá em março.
Saídas já estavam precificadas
Ao Correio, o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB) disse que há um movimento de saída do partido, mas ele se concentra em parlamentares do PSL – algo que, segundo ele, já estava “precificado”. Do lado do DEM, ele disse que são poucas as saídas por parte de políticos do Democratas.
O parlamentar citou o exemplo do ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, que deve continuar no partido apesar de ter votado contra a fusão. “São realmente muito poucos do Democratas. Os do PSL já estavam precificados, era algo que já estava anunciado. Temos, na verdade, boas expectativas de parlamentares que estão ingressando nesse momento, aqueles que a legislação já permite, como o deputado Celso Sabino (PA) e o senador Márcio Bittar (AC). Na janela, a expectativa é de que a gente consiga um partido que dessa união, um mais um seja igual a três”, afirmou.
Para ele, os líderes do partido têm se saído bem na construção de acordos que possibilitaram um consenso entre políticos de ambos os lados. “A constituição foi baseada no diálogo, no consenso. A união pressupõe isso. A unidade não apesar das diferenças, mas pelas diferenças, com elas incluídas, fazendo parte desse processo. E acho que no diálogo nós conseguimos construir uma aprovação praticamente unânime, com um sentimento de confiança na condução do processo pelo presidente ACM Neto e toda a direção partidária”, concluiu.
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