A CPI da Covid tornou-se, ontem, palco para o negacionismo do empresário Luciano Hang, que, entre outras coisas, admitiu não ter se vacinado contra o novo coronavírus porque tem um “índice de anticorpos altíssimo”, que faz uso e recomenda o “tratamento precoce” — composto de medicamentos sem qualquer eficácia contra a covid-19 — e também ter financiado a compra desses remédios por hospitais. Também tentou desqualificar as perguntas do relator Renan Calheiros (MDB-AL) dizendo que eram “narrativas” e desde o início mostrou disposição para o confronto. Montou, com a ajuda da tropa de choque do Palácio do Planalto na comissão, uma estratégia de tentar passar a ideia de que o colegiado promove uma perseguição ao governo, que incluía até mesmo exibir cartazes nos quais diria estar sendo censurado caso não pudesse dar sua versão.
Os senadores já trabalhavam com a expectativa de que a sessão fosse tensa, pouco produtiva e de resultados pífios para a composição do relatório final da comissão. Hang chegou escoltado por parlamentares governistas dizendo que tinha todo tempo do mundo, que devolveria com respeito o tratamento respeitoso, mas que exigia dar respostas a todas as perguntas. Antes mesmo de os trabalhos começarem, circulava entre os integrantes do colegiado a dúvida sobre se fora uma boa iniciativa a convocação do empresário — muitos teriam sido contra exatamente por terem a certeza de que ele tentaria fazer da participação um cenário de defesa do governo e de projeção de si mesmo. Mas não viam outra alternativa a não ser inquiri-lo, sobretudo depois do vídeo publicado, na segunda-feira, ironizando a CPI com uma algema — Hang disse que estava preparado caso tivesse de sair preso do depoimento.
Às longas perguntas de Renan, o empresário se recusou a respondê-las de modo sucinto. Ao contrário, tentou, em todas, passar suas versões e dar explicações amplas, o que foi irritando não apenas o relator, mas o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). Como provocação, também reclamou daquilo que lhe era indagado, considerando os temas genéricos demais.
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Sem habeas corpus
Para tentar passar a ideia de que a comissão não o assustava, Hang abriu mão de um habeas corpus junto ao Supremo Tribunal Federal. Os senadores procuraram emparedá-lo com vídeos, fotos e relatos, e por meio do episódio da morte da mãe do empresário buscaram traçar uma linha que ligasse ele, o escândalo da Prevent Senior e o “gabinete paralelo” da saúde por meio do episódio. Nesse momento, tentou passar a ideia de que “tratamento preventivo” — que numa das publicações em rede social poderia ter “salvado” Regina Hang — não era o mesmo que “tratamento precoce” — com cloroquina, ivermectina e azitromicina.
A CPI também confrontou o empresário sobre o motivo da morte da mãe. Hang admitiu que ela fora tratada com os remédios sem eficácia contra o novo coronavírus, mas atribuiu a ausência da menção à covid-19 no atestado de óbito de Regina Hang não a uma manobra da Prevent, mas a um equívoco do médico plantonista que fez o registro. Como disse não entender “absolutamente nada” sobre o preenchimento de documentos que relatem mortes de pacientes, disse que não percebeu, mas que o erro foi corrigido depois. Para provar o que dizia, quis entregar à comissão um documento emitido pela comissão de controle de infecção hospitalar, para provar a informação que constava no prontuário. Mas foi advertido que o colegiado já possuía o prontuário em que não havia indicação da covid.
Não vacinado
Hang também procurou passar a imagem de que é um defensor e acredita na vacina. Para isso, lembrou que liderou um grupo de empresários, ao lado de Carlos Wizard — outro bolsonarista crítico das medidas de afastamento social —, de compra de imunizantes a fim de que pudesse administrar 50% das doses nos funcionários das próprias empresas — os outros 50% seriam repassados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Mas admitiu que não se vacinou e explicou por quê.
“Não tomei vacina porque eu tenho índice de anticorpos altíssimo. Tenho neutralizante natural”, respondeu à senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), reproduzindo o mesmo argumento utilizado pelo presidente Jair Bolsonaro.
Ele, porém, comparou a ação de remédios sem eficácia contra a covid com a vacina, ao afirmar que pessoas vacinadas também podem contrair a doença e que os medicamentos, por sua vez, “fortalecem a célula”. Hang admitiu que incentivou o tratamento precoce e financiou a compra de medicamentos para hospitais.