Pouco mais de um mês após afirmar que as Forças Armadas deviam “apoio total às decisões do presidente”, o chefe do Executivo, Jair Bolsonaro (sem partido), afirmou que as instituições militares não cumpririam “uma ordem absurda” dada por ele. A declaração foi feita nesta segunda-feira (27/9), durante cerimônia no Palácio do Planalto, em comemoração aos 1 mil dias de governo.
"As Forças Armadas estão aqui. Elas estão ao meu comando, sim, ao meu comando. Se eu der uma ordem absurda, elas vão cumprir? Não. Nem a mim, nem a governo nenhum. E as Forças Armadas têm que ser tratadas com respeito", afirmou.
O presidente também afirmou que a presença de militares no governo não é para garantir poder, mas sim porque era “o círculo de amizade” dele.
“Alguns criticam que eu botei militar demais [no governo], mais até, proporcionalmente, do que os governos [militares] de Castello Branco a Figueiredo. Sim, é verdade, é meu círculo de amizade. Assim como de outros presidentes foram outras pessoas, era o círculo de amizades deles", disse.
O discurso é inteiramente oposto ao proferido nos últimos meses, nos quais Bolsonaro instaurou momentos tensos de crise com o Poder Judiciário, e segue a linha apaziguadora que o presidente adotou após as manifestações de 7 de setembro. Após ameaça de uma nova greve geral de caminhoneiros, que levaria a uma maior fragilidade do governo, o presidente divulgou uma carta em que se arrepende dos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF).
No sábado (25/9), Bolsonaro fez outra declaração inédita nos dois anos de governo. Ele, que sempre deixou no ar a possibilidade de uma intervenção militar, afirmou que a “chance de um golpe é zero”.
Mesmo com a mudança de postura, especialistas afirmam que o Judiciário ainda não está convencido de que o presidente não atentará mais contra as instituições democráticas e permanece sem se pronunciar sobre a carta e às outras declarações feitas pelo chefe do Executivo.
Bolsonaro e Forças Armadas: obediência ou cumplicidade?
A falta de “apoio” do Supremo Tribunal Federal (STF) ao pedido de Bolsonaro em proibir que governadores implementarem lockdowns durante os períodos de alto contágio da covid-19, em março deste ano, foi o início de uma escalada autoritária do chefe do Executivo contras as instituições democráticas — feita com o silêncio das Forças Armadas.
Após o indeferimento do pedido, Bolsonaro chegou a afirmar que não apoiaria um lockdown nacional e chamou de seu o Exército brasileiro. “Meu Exército não vai para a rua obrigar o povo a ficar em casa”, disse, em uma tentativa de mostrar o apoio das Forças Armadas com o governo. Em maio, Bolsonaro reafirmou a “dominação” do Exército em alusão a um golpe militar. “Meu Exército só vai para as ruas para manter a liberdade de vocês”, frisou.
Mais tarde, o descontentamento de Bolsonaro com os magistrados se tornou em revolta, logo após o ministro do STF, Alexandre de Moraes, começar a tomar decisões que o incomodaram no âmbito do inquérito das fake news. Moraes ordenou prisões de aliados do governo, além de determinar a abertura de uma investigação com foco em uma organização criminosa digital para atacar o Estado Democrático de Direito, no qual não só Bolsonaro, mas também os filhos Flávio e Carlos Bolsonaro estão incluídos.
Em outra frente, Bolsonaro passou a atacar o sistema eleitoral e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Barroso, que rebateu veementemente as declarações do presidente de que as urnas eletrônicas são fraudadas. Em julho, o presidente afirmou que, caso o voto impresso não fosse instaurado, “algum lado pode não aceitar as eleições, e esse lado é o nosso”.
Os ataques do presidente foram vistos internacionalmente como uma ameaça a democracia feita com consentimento das Forças Armadas. Em artigo no jornal estadunidense The New York Times, o cientista político Gaspard Estrada afirma que Bolsonaro estimula uma “ruptura institucional na segunda maior democracia do continente americano” e que “os escalões superiores das Forças Armadas têm tido papel central nesse objetivo”.
Desfile de blindados e suposta ameaça de Braga Netto: Forças Armadas mostram obediência
O ápice do conflito entre os Poderes e a confirmação de que Bolsonaro exigia obediência das Forças Armadas às suas decisões ocorreu em 10 de agosto. O presidente da República anunciou um desfile de tanques de guerra na Esplanada dos Ministérios no mesmo dia em que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que instituia o voto impresso, defendida pelo governo, seria votada na Câmara dos Deputados.
Apesar de o Ministério da Defesa afirmar que o evento fazia parte do início de uma operação de treinamento, parlamentares e especialistas viram no desfile um ato de intimidação referenciado com o apoio das Forças Armadas. Para chegar até o Planalto, os tanques passaram em frente ao STF e ao Congresso.
Antes da data, inclusive, a imprensa já havia revelado uma ameaça do ministro da Defesa, Braga Netto, ao presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL), no qual Braga afirma que não haveria eleições em 2022 se o Congresso não aprovasse a PEC do voto impresso. Lira não desmentiu as reportagens. No entanto, em meio a tanques, fumaças e tensões políticas, a Câmara rejeitou a PEC.