Nas democracias modernas, os mercados financeiros passaram a dividir o poder com as instituições de representação política na maioria das questões de política econômica. A voz desses mercados chega mesmo a prevalecer, com a ajuda generosa da imprensa, que costuma ecoar sem espírito crítico a visão particular do mundo dos investidores nas questões mais importantes.
A financeirização das economias modernas tem muito a ver com a instabilidade crônica das economias e com o declínio do sentimento democrático em muitos países. As populações mais conscientes, cuja opinião é vital para a ordem democrática, percebem que o Estado cede espaço de decisões estratégicas para o mercado. A consequência tem sido a produção cada vez menor de bens públicos e o aumento da desigualdade e da concentração da riqueza. Isso certamente tem limites.
A ideia subjacente é que o nível de atividade econômica depende da confiança dos investidores e que o papel da política econômica é assegurar um ambiente amigável para os negócios. Se deixadas ao arbítrio dos políticos, as decisões econômicas tenderiam a provocar desequilíbrios e distúrbios de toda a ordem, inflação, deficits e endividamento excessivo. Em vez de democracia representativa, caminhamos para a democracia dos mercados.
A associação entre os interesses desses mercados com uma ciência econômica sensível à influência política ou ideológica tem produzido um consenso dominante, que retirou da agenda dos governos os temas do crescimento e da desigualdade. O Brasil tornou-se um caso exemplar desse fenômeno político.
O foco da política econômica do governo brasileiro tem sido a busca da estabilidade a qualquer custo, mesmo com prejuízo para o emprego e o crescimento. Nosso país vive num regime de estagnação que está se tornando crônico.
Após a rápida recuperação deste ano, já em 2022 vamos retornar a um crescimento em torno de 1,5%, que, segundo o mercado, é o limite de nossas possibilidades. Ainda assim, a política oficial continua sendo a elevação dos juros e a restrição aos gastos de investimento do governo. Desse jeito, vamos eternizar a estagnação e o atraso.
O autor de um livro monumental sobre a crise financeira de 2008, Adam Tooze, numa entrevista ao The New York Times há poucos dias, nos lembrou que os economistas do mercado vivem projetando grandes crises provocadas pelo descontrole das finanças públicas e vêm se equivocando sempre nos últimos 20 anos. Diz ele que não podemos esquecer que o maior choque destas duas décadas foi justamente a crise bancária de 2008, que não foi criada pelos governos, e sim pelo setor financeiro privado. A ironia é que foram os gastos dos governos e dos bancos centrais que vieram em socorro do mercado financeiro para evitar que ele desmoronasse. Mesmo assim, o Estado continua sendo o vilão!
Ficar esperando pela ação virtuosa dos mercados financeiros para reativar a economia, e acelerar o crescimento, é o mesmo que acreditar em contos de fadas. Estado e iniciativa privada são complementares em qualquer processo de crescimento, mas mercado financeiro e setor privado da economia não são sinônimos, e nem podem ser confundidos. O que é preciso é dar atenção ao que dizem os setores reais da economia — a indústria, o comércio, a mineração e a agricultura — se quisermos nos desenvolver.
Na última semana, em um movimento que vai deprimir mais ainda nossa economia, o Banco Central voltou a elevar a taxa básica de juros em 1 ponto percentual, para 6,25% ao ano. É verdade que a inflação está alta, mas, de modo algum, os preços estão pressionados por excesso de demanda. A pressão vem pelo lado da oferta e a alta dos juros não é remédio para o problema que, de qualquer maneira, é visivelmente transitório. Mais uma vez a voz do mercado financeiro foi atendida e já antecipou os aumentos que deseja nos próximos meses. Será novamente atendida.
O governo e o mercado querem a estabilidade a qualquer custo. A população, se fosse ouvida, preferiria o crescimento, mesmo que ele tenha seu preço.