As entidades de representação dos povos indígenas lamentaram o adiamento do julgamento do marco temporal. A apreciação foi retomada nesta quarta-feira (15/9), com a continuidade da leitura do voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques. No entanto, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista, ou seja, mais tempo para analisar a ação.
Com dois votos divergentes, contra e a favor do marco, o julgamento fica sem data para retomar. O Terra de Direitos lamentou o adiamento. “É como uma violência o ato do ministro Alexandre de Moraes pedir vista do processo, considerando que o ministro relator já havia sinalizado o voto pela fixação de tese contrária ao marco temporal e que o Procurador-Geral da República emitiu parecer contrário ao marco tempo temporal”, disse em nota.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) criticou o posicionamento do ministro Kassio Nunes Marques que votou a favor do projeto e defendeu que as terras ocupadas pelos povos tradicionais pertencem ao Estado. “O mais surpreendente no voto dele foi a expressão taxativa de que o marco temporal resolveria os conflitos territoriais por 'anistiar oficialmente esbulhos ancestrais'”, destacou Paloma Gomes, assessora jurídica do Cimi.
“A frase do ministro sugere explicitamente que as invasões dos territórios indígenas por não índios e as expulsões violentas de suas terras as quais foram submetidos os povos indígenas em nosso país estariam anistiadas, ou seja, esquecidas no tempo e de certa forma legitimadas pelo Judiciário caso esse voto divergente seja acolhido pelos demais ministros", concluiu a entidade.
O coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Eloy Terena, afirmou que já esperava pelo voto favorável de Nunes Marques à aplicação do marco temporal. "Foi um voto bastante retrógrado vindo de um ministro recém-nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro e extremamente alinhado aos interesses do governo e do agronegócio, mas não contávamos que fosse tão restritivo: além de votar favoravelmente à aplicação do marco temporal, ele fala que, o direito indígena estaria submisso ao direito ambiental", lamentou.
Entenda
Está em jogo na Justiça uma decisão definitiva que pode dar um fim aos conflitos envolvendo terras indígenas. O STF analisa a chamada tese do marco temporal. Isso significa que indígenas só poderiam reivindicar terras ocupadas na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
A base do governo e bancada ruralista têm pressionado para a aprovação do Projeto de Lei 490/07, que foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados e iria à Plenário. A decisão do STF pode colocar em xeque a validade da proposta.
Desde que o julgamento começou, grupos indígenas protestaram e acamparam em Brasília contra o projeto e pela garantia dos direitos das terras em que vivem. O artigo 231 da Constituição de 1988 diz que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.