Motivo de preocupação entre associações, ONGs e movimentos sociais, o Projeto de Lei 1595/19, conhecido como Lei Antiterror, pode ser votado amanhã pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados. A matéria, de autoria do deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), busca regulamentar ações do Estado para prevenir e punir atos de terrorismo.
A proposta propõe uma ampliação da punição e da repressão, a partir da Lei Antiterrorismo, de atos que sejam “perigosos para a vida humana” ou “potencialmente destrutivos em relação a alguma infraestrutura crítica, serviço público essencial”. O texto se estende ainda aos atos que “aparentem” ter a intenção de “intimidar ou coagir a população civil ou de afetar a definição de políticas públicas por meio de intimidação, coerção, destruição em massa, assassinatos, sequestros ou qualquer outra forma de violência”.
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, caso a legislação seja aprovada, poderá silenciar críticos e oposicionistas ao governo, além de criminalizar movimentos sociais, greves e restringir liberdades fundamentais. O advogado Gabriel Mantelli, especialista em direitos humanos, destaca que o projeto vai contra a legislação internacional que trata do tema. “Existe uma incompatibilidade muito forte na maneira como esse assunto está sendo pensado aqui no país. Primeiro, o Brasil não tem um histórico de episódios terroristas que demandem a existência de uma legislação específica para isso”, disse.
Para Mantelli, parlamentares se aproveitaram do fenômeno Bolsonaro e sua bandeira pela segurança pública para levantar uma proposta equivocada. “Pode-se até fazer uma leitura de um cenário de um populismo penal sobre como esse projeto tem sido conduzido”, ressaltou.
Excludente de ilicitude
Outro ponto polêmico do projeto está no item que fala sobre a ação de agente público de segurança. O texto prevê um salvo-conduto ao “agente público contraterrorista que realize disparo de arma de fogo para resguardar a vida de vítima, em perigo real ou iminente, causado pela ação de terroristas, ainda que o resultado, por erro escusável na execução, seja diferente do desejado”. Na prática, é uma espécie de excludente de ilicitude. Ou seja, se o agente público, nessas circunstâncias, atingir alguém, ele poderá alegar legítima defesa e ficar isento de ser punido.
Outra proposta também tramita no Congresso sobre terrorismo. O PL 272/2016, do senador Lasier Martins (Podemos-RS), está parado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado desde abril de 2019 e amplia penas e atos considerados terroristas. O advogado Gabriel Mantelli também critica a ampliação dos conceitos no Brasil. “Abre espaço para que muitas pessoas que, evidentemente, não estão envolvidas com terrorismo, acabem podendo ser entendidas como tal. Principalmente defensores dos direitos humanos que vão para a rua e se mobilizam”, conclui.
Carta da ONU
Em junho, sete relatores da Organizações das Nações Unidas (ONU) enviaram carta ao governo brasileiro pedindo que as autoridades prestem esclarecimentos e reconsiderem a aprovação de ambos projetos de lei. A alta comissária para Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, Michelle Bachelet, criticou, nesta semana, na sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra (Suíça), o projeto da Câmara. “Inclui disposições excessivamente vagas que representam riscos de abuso, especialmente contra ativistas sociais e defensores dos direitos humanos”, disse.
Ao Correio, o relator da matéria, deputado Sanderson (PSL-RS) afirmou que o projeto não ameaça a liberdade de expressão. “Não há uma linha sequer falando sobre a criminalização de movimentos sociais. Não tem essa possibilidade, e não há nenhuma possibilidade de colocar em risco a democracia”, disse.
Sanderson também ressaltou que o projeto não invade nenhuma competência da esfera pública. “O crime de terrorismo cometido vai ser investigado pela polícia, vai ser denunciado por um agente do Ministério Público e vai ser julgado pelo poder Judiciário. Não entramos nessa área”, disse.
Palavra de especialista
Realidade brasileira
As discussões que margeiam a proposta seguem uma linha positiva na medida em que visam adequar a legislação que rege a matéria à realidade brasileira, e não só, já que também amplia o raio de ação do Estado, visando a prevenção e ao enfrentamento de incidentes que podem ser considerados ações terroristas. Nesse sentido, entendo como relevante a criação de um sistema nacional voltado à coordenação das ações anti e contraterroristas, que envolva todos os integrantes do sistema de justiça criminal e demais órgãos que possam contribuir com o feito, uma vez que é preciso ampliar o poder do Estado e dos seus agentes com o intuito de fazer frente a um fenômeno extremamente complexo e difícil de se prevenir e enfrentar. Faz-se necessário, ainda, repensar o tratamento legal que a legislação brasileira dá aos ataques cada vez mais rotineiros perpetrados por facções criminosas, naquilo que se convencionou chamar de “novo cangaço”.
Luciano Loiola, doutor em direito pela Universidade de Coimbra e especialista em contraterrorismo
Principais itens do projeto de lei
- Autoriza a infiltração de agentes públicos em organizações consideradas terroristas “se houver indícios de condução de atos preparatórios”.
- Determina que o controle e a fiscalização externos das ações contra terroristas serão exercidos pelo Poder Legislativo na forma a ser estabelecida em ato do Congresso Nacional
- A União alocará, anualmente, recursos para a implementação da Plano Nacional Contraterrorista (PNC) a serem utilizados
- Agente público contraterrorista poderá aplicar excludente de ilicitude
* Estagiária sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza
Saiba Mais