O governo deve conhecer com mais clareza, nesta semana, os efeitos políticos da divulgação da “Carta à Nação”, na qual o presidente Jair Bolsonaro recuou das ameaças que fez ao Supremo Tribunal Federal (STF) nos atos do feriado da Independência. Nos próximos dias, a maior prioridade da equipe econômica será a retomada do diálogo com a Corte para solucionar o impasse sobre o pagamento dos precatórios — dívidas da União reconhecidas pela Justiça e que preveem para 2022 uma despesa de R$ 89 bilhões, o equivalente a 65% acima dos R$ 54,7 bilhões deste ano.
Antes das manifestações, nas quais Bolsonaro disse que não cumpriria decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF, a equipe econômica vinha negociando com o presidente do Supremo, Luiz Fux, uma forma de cumprir as decisões judiciais sem comprometer o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas da União à inflação do ano anterior. As discussões envolveram também os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Sem uma solução para os precatórios, chamados de “meteoro” pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o governo não terá como cumprir a meta de turbinar o Bolsa Família, uma medida que poderia ajudar a conter a queda de popularidade de Bolsonaro, às vésperas de um ano eleitoral. Além disso, o impasse deixará o Executivo sem verbas para atender às emendas do relator do orçamento da União, que têm sido usadas para financiar obras e outros investimentos de parlamentares aliados nos respectivos redutos eleitorais.
Durante as negociações, Fux informou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual também é presidente, poderia atuar como mediador e editar uma resolução para regulamentar essa questão. O magistrado propôs, inclusive, uma solução para o impasse. Segundo ele, seria estabelecido um teto de gastos para pagamento de precatórios, correspondente ao valor pago por essas dívidas em 2016 — ano da promulgação da Emenda Constitucional do teto de gastos — com correção pela Selic. O que superasse esse valor em determinado ano seria encaminhado para o exercício fiscal seguinte.
Paulo Guedes aprovou a ideia de Fux, apresentada depois que o governo enviou ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com previsão de parcelamento do pagamento dos precatórios. Segundo o ministro, a solução defendida pelo presidente do Supremo seria “mais efetiva, mais rápida e mais adequada juridicamente” do que a PEC. Porém as conversas voltaram à estaca zero depois das agressões proferidas por Bolsonaro contra a Corte.
Agora, após a divulgação da “Carta à Nação”, cuja elaboração foi orientada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), o governo tem esperanças de que o diálogo com o Supremo seja retomado. Na última sexta-feira, ao falar para investidores estrangeiros em evento do Credit Suisse, Guedes afirmou que o recuo de Bolsonaro “colocou tudo de volta aos trilhos”. Disse também que, a partir de hoje, voltaria a tratar dos precatórios com Fux e os presidentes das duas Casas do Congresso.
Sócio oculto
As atenções do governo também estarão voltadas, nos próximos dias, à retomada dos depoimentos na CPI da Covid, que haviam sido interrompidos em razão das manifestações bolsonaristas da semana passada.
Para amanhã, está marcada a oitiva do advogado Marcos Tolentino da Silva. Ele é apontado por senadores independentes e de oposição como sócio oculto da FIB Bank, empresa que forneceu à Precisa Medicamentos uma garantia irregular de R$ 80,7 milhões no negócio de compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde. O contrato de aquisição do imunizante foi suspenso por suspeitas de irregularidades.
Para a quarta-feira, está agendado o depoimento do advogado Marconny Nunes Ribeiro Albernaz, acusado de fazer lobby para empresas interessadas em vender para o governo federal. Com essa oitiva, a CPI pretende apurar o envolvimento do advogado em negociações para a venda da Covaxin e de testes de covid-19 para o Ministério da Saúde. Além disso, a comissão quer conhecer melhor a relação de Albernaz com a família do presidente Bolsonaro.
Internet
A Consultoria Legislativa do Senado deve concluir, nesta semana, uma avaliação sobre a constitucionalidade da medida provisória assinada por Bolsonaro para alterar o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2024) e limitar a remoção de conteúdos abusivos publicados nas redes sociais. Segundo afirmou ontem o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o estudo da consultoria vai basear a decisão da Casa de devolver ou não a MP ao Planalto.
Aprovado em 2014, o Marco Civil da Internet estabelece direitos e deveres para os usuários das redes sociais no Brasil. O texto da MP cria regras para a moderação de conteúdos nesses espaços e determina que a exclusão, a suspensão ou o cancelamento de contas e perfis só poderá ser realizado com justa causa e motivação.
Fique por dentro
O ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende retomar, nesta segunda-feira, as conversas com o STF, a Câmara e o Senado sobre pagamento de precatórios (dívidas da União reconhecidas pela Justiça);
CPI da Covid deve tomar, nesta terça-feira, o depoimento do advogado Marcos Tolentino da Silva, acusado de envolvimento em irregularidades no contrato de compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde;
Na quarta-feira, a CPI deve ouvir o advogado Marconny Nunes Ribeiro Albernaz, apontado como lobista de empresas interessadas em vender para o governo federal;
O Senado deve decidir, nesta semana, se devolverá ao Planalto a Medida Provisória nº 1.068/2021. Assinada por Bolsonaro, ela dificulta a remoção de conteúdos abusivos publicados nas redes sociais.