O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi o principal alvo dos ataques de manifestantes e do presidente Jair Bolsonaro nos atos do dia 7 de Setembro. O presidente chegou a chamar o ministro de "canalha" e defender que ele fosse "enquadrado".
"Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida", disse Bolsonaro, diante de apoiadores em São Paulo, na tarde de terça (7).
Algumas horas antes, em Brasília, o presidente exigiu que o presidente do Supremo, Luiz Fux, interferisse na atuação de Moraes, o que seria inconstitucional. As ofensas a Moraes e ameaças ao STF eram acompanhadas por gritos de, "fora Alexandre de Moraes", vindos dos manifestantes.
Para o professor de Direito Constitucional Rubens Glezer, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o objetivo maior do presidente com os ataques ao ministro é enfraquecer o STF como instituição de controle. Desde que Bolsonaro tomou posse, o tribunal tem sido o principal freio aos avanços antidemocráticos do presidente.
"Por que personificar em Alexandre de Moraes? Porque essa personificação facilita. A população não sabe exatamente o que significa o STF, embora o tribunal tenha se tornado mais conhecido ao longo dos anos. Dar um nome, dar um rosto, facilita a ideia desse inimigo", explica.
Mas por que Moraes, dentre os demais integrantes do STF, virou "a bola da vez" das ofensivas de Bolsonaro e seus seguidores? Três fatores colocam o ministro na mira dos bolsonaristas:
1. Moraes comanda inquéritos que investigam Bolsonaro
Alexandre de Moraes é relator dos principais inquéritos no Supremo que envolvem Bolsonaro e seus apoiadores. O mais recente foi aberto em 12 de agosto para investigar o presidente pelo vazamento de um documento sigiloso da Polícia Federal.
No dia 4 de agosto, Bolsonaro citou, numa transmissão ao vivo, um inquérito sigiloso da PF a respeito de um ataque ao sistema interno do TSE ocorrido em 2018. Depois, ele divulgou nas suas redes sociais um link com a íntegra dessa investigação.
Poucos dias depois, o TSE encaminhou notícia-crime para o Supremo, solicitando apuração sobre esse vazamento. Moraes acolheu o pedido e abriu inquérito para investigar se Bolsonaro e os demais presentes na live cometeram crime.
Ele ainda mandou as empresas que administram as redes sociais usadas pelo presidente a excluírem as publicações sobre o tema e determinou o afastamento do delegado da PF Victor Campos, que estava à frente das investigações sobre o ataque ao sistema do TSE.
Moraes também é o relator do "inquérito das fake news", aberto em 2019 pelo então presidente do STF, Dias Toffoli, para investigar a divulgação de notícias falsas e ameaças a ministros do tribunal.
No início de agosto, Bolsonaro passou a ser investigado nesse inquérito, a pedido do TSE e por decisão de Moraes. A apuração vai levar em conta os ataques, sem provas, feitos pelo presidente às urnas eletrônicas.
A decisão de incluir o presidente na investigação foi tomada após Bolsonaro atacar ministros do STF e o sistema eleitoral numa live transmitida no dia 29 de julho.
Alexandre de Moraes é relator ainda do inquérito das 'milícias digitais', que investiga indícios da existência de uma organização criminosa montada para atentar contra a democracia e suas instituições. Uma das suspeitas é de que o grupo tenha sido abastecido com verba pública.
O inquérito, que tramita em sigilo, envolveria deputados aliados de Bolsonaro e filhos do presidente.
"O inquérito das fake news atinge os aliados de Bolsonaro e parte da base eleitoral dele que é chamada de gabinete de ódio. Esses grupos se utilizam de financiamento suspeito, inclusive internacional, para tentar desestabilizar as instituições que exercem controle sobre o Bolsonaro, especialmente o Supremo", explica Rubens Glezer, professor de Direito da FGV e coordenador do Supremo em Pauta, dedicado a pesquisas sobre o tribunal.
2. Prisão e bloqueio de recursos de aliados de Bolsonaro
Às vésperas do 7 de Setembro, Moraes determinou a prisão de dois apoiadores de Bolsonaro que fizeram ameaças a ministros do STF.
Além disso, ele mandou bloquear as chaves Pix e as contas bancárias de duas entidades do agronegócio, a Aprosoja (Associação Nacional dos Produtores de Soja) e sua representação regional no Mato Grosso, diante da suspeita de que as entidades estariam financiando as manifestações pró-Bolsonaro e contra o Supremo.
No final de agosto, Moraes determinou busca e apreensão contra o deputado bolsonarista Otoni de Paula (PSC-RJ), o cantor Sérgio Reis e outras sete pessoas, além de bloquear uma chave Pix usada pelos investigados para angariar dinheiro para os atos de 7 de Setembro,
No mês passado, Alexandre de Moraes mandou prender outro apoiador de Bolsonaro, dessa vez de maior peso político: o ex-deputado e presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson.
A ordem foi dada no âmbito do inquérito das milícias digitais. Na ordem de prisão, o ministro do Supremo determinou apreensão das armas que Jefferson possui, além da exclusão de publicações do ex-deputado nas redes sociais.
Antes disso, em fevereiro deste ano, Moraes já tinha mandado prender o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), também aliado de Bolsonaro, depois que ele publicou um vídeo com ameaças e ataques a ministros do Supremo.
Em seus discursos durante as manifestações do 7 de Setembro, Bolsonaro usou essas prisões como justificativa para ameaças ao Supremo.
"Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três Poderes continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil", disse o presidente.
"Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República", completou Bolsonaro, conclamando o presidente do STF, Luiz Fux, a interferir nas decisões de Moraes - algo que seria inconstitucional.
3. Moraes vai comandar eleição em 2022
Outro fator que coloca Moraes na mira dos ataques de Bolsonaro é o fato de ele ser o próximo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e quem conduzirá o processo eleitoral de outubro de 2022.
Uma das principais estratégias de Jair Bolsonaro para tentar se manter no poder no ano que vem é minar, progressivamente, a confiança da população no sistema eleitoral.
O presidente constantemente acusa a urna eletrônica de ser fraudável e já chegou a dizer que o resultado da eleição presidencial do ano que vem não será válido se não houver voto impresso.
Abalar a credibilidade de quem comandará a eleição pode ser parte da estratégia de Bolsonaro para colocar em xeque o resultado da eleição presidencial de 2022, caso não consiga se reeleger.
"Essa é uma hipótese interessante porque ele conseguiu incutir em parte da sua base a ideia de que o voto na urna eletrônico não é auditável por nada. Como se fosse um sistema caseiro, que permitisse que o presidente do tribunal mudasse uma planilha de Excel com os votos", diz Rubens Glezer, da FGV.
"Nesse sentido, seria fácil personificar a suspeita sobre o sistema eleitoral numa única figura, que é a figura que ele vem trabalhando aí, do Alexandre de Moraes."
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