O presidente Jair Bolsonaro assinou, ontem, uma medida provisória (MP) que altera dispositivos do Marco Civil da Internet e dificulta a exclusão de perfis nas redes sociais e a remoção de conteúdos na internet. Nos últimos dias, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o bloqueio — a pedido da Procuradoria-Geral da República — de vários perfis de bolsonaristas que vêm incitando a violência contra as instituições de Estado e seus integrantes.
Bolsonaro vem atacando seguidamente o STF por causa dos bloqueios de perfis e contas que disseminam mentiras e provocam agitação na internet. Ele também reclama do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que determinou que algumas plataformas digitais suspendessem repasses financeiros a sites que propagam desinformação, a maioria deles chefiados por apoiadores do presidente.
Defensores de Bolsonaro tiveram prisão decretada por pregarem, nas redes sociais, que o prédio do Supremo fosse invadido e os magistrados da Corte fossem agredidos durante a manifestação a favor do governo federal, hoje, em Brasília.
Sobre a MP, a Secretaria-Geral da Presidência da República destacou que “a urgência e a relevância da medida decorrem do fato de que a remoção arbitrária e imotivada de contas, perfis e conteúdos por provedores de redes sociais, além de prejudicar o debate público de ideias e o exercício da cidadania, resulta em um quadro de violação em massa de direitos e garantias fundamentais como a liberdade de expressão e o exercício do contraditório e da ampla defesa”.
“A medida busca estabelecer balizas para que os provedores de redes sociais de amplo alcance, com mais de 10 milhões de usuários no Brasil, possam realizar a moderação do conteúdo de suas redes sociais de modo que não implique em indevido cerceamento dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros”.
A pasta explicou que serão acrescentados à lei do Marco Civil “dispositivos para tratar de maneira específica, por exemplo, do direito a informações claras, públicas e objetivas sobre as políticas, procedimentos, medidas e instrumentos utilizados para efeitos de eventual moderação de conteúdo, bem como do direito ao exercício do contraditório, ampla defesa e recurso nas hipóteses de moderação de conteúdo pelo provedor de rede social”.
Reações
O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) anunciou, no Twitter: “Informo que a OAB já estuda remédios legais contra a MP que altera o Marco Civil da Internet. Não vamos permitir retrocessos que favoreçam notícias falsas e desinformação”.
Líder da oposição na Câmara, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) anunciou que pedirá ao presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que devolva a MP. Relator do Marco Civil da Internet na Câmara, ele diz que “o objetivo, no fundo, não é proteger a liberdade de expressão. O que ele está querendo fazer é impedir as redes sociais de remover conteúdo que desinforma ou que promove discurso de ódio”.
Professor de Direito Digital e advogado constitucionalista, Camilo Onoda Caldas destacou que, ao contrário do que afirmou a Secretaria-Geral da Presidência, a MP não atende aos requisitos constitucionais de urgência e relevância necessários para uma MP. “Parece ter sido criada por um capricho do presidente, como uma forma de tentar agradar os seus apoiadores. A MP acaba limitando esse controle, que hoje é feito, via de regra, sem abusos e é bem-sucedido”, disse.
“Bolsonaro sabe que essa MP não vai parar de pé. O que ele consegue é criar mais tensão entre os poderes, caso a MP seja devolvida pelo Senado ou suspensa pelo STF”, explicou Juliana Vieira dos Santos, mestra em Direito pela Harvard Law School e doutora em Teoria do Estado pela Universidade de São Paulo (USP).
Moraes decreta prisões e bloqueio de contas
Rosinei Coutinho/SCO/STF
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decretou, ontem, mais uma série de prisões de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), além do bloqueio das contas de uma entidade ruralista que promoveria os atos em favor do governo, hoje. No caso das duas detenções, seus autores vêm propondo a violência contra a Corte e os ministros que a compõem. Os pedidos da PGR foram assinados pela subprocuradora-geral Lindôra Araújo.
O primeiro a ir preso foi Márcio Giovani Niquelatti, conhecido como professor Marcinho — foi levado preventivamente por agentes da Polícia Federal, domingo, em Santa Catarina, por conta de ameaças de morte a Moraes. Durante uma recente transmissão ao vivo nas redes sociais, ele anunciou a existência de um esquema criminoso que premiaria com dinheiro quem conseguisse a cabeça do ministro. Na mesma transmissão, se disse integrante de um “grupamento” que tem como objetivo “caçar ministro, em qualquer lugar que estejam”. “Portugal, Espanha, China. Onde eles estiverem, tem brasileiro sabendo já”, destacou.
Outro que teve a prisão preventiva decretada é o ex-PM Cássio Rodrigues Costa Souza, de Minas Gerais, após ter ameaçado Moraes de morte na internet — o ministro também solicitou o bloqueio de todas as redes sociais do ex-militar.
Em um post publicado nas redes sociais, Cássio disse ter escolhido o feriado do Dia da Independência para matar o ministro do STF. “Terça-feira (7 de setembro) vamos te matar e matar toda a sua família, seu vagabundo. Advogadinho de merda do PCC. Sou policial militar e nós militares te eliminaremos”, escreveu, antes de ter a conta excluída definitivamente do Twitter por infringir as regras da plataforma.
O nome Cássio aparece no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais de 24 de julho de 2018, em uma na lista de policiais reformados por incapacidade física definitiva.
Bloqueio de contas
Moraes também determinou que o Banco Central bloqueie as contas bancárias que pertencem à Associação Nacional dos Produtores de Soja (Aprosoja) e à Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja-MT). A decisão do magistrado foi expedida depois de a PGR encaminhar um ofício a Moraes alertando que Antônio Galvan, presidente da Aprosoja e ex-presidente da Aprosoja-MT, atuaria para garantir o financiamento dos protestos bolsonaristas de hoje, mesmo depois de ele ter passado à condição de investigado por conta da mobilização para os atos.
Galvan foi alvo de mandados de busca e apreensão, mas, segundo a PGR, ele continua chefiando uma “suposta atuação mediata, por meio de ativos alocados em pessoas jurídicas para o financiamento dos investigados e de atos antidemocráticos”. A Procuradoria alerta para a utilização de receitas da Aprosoja a serem destinadas aos bolsonaristas que estão à frente da organização dos atos e de possível uso da estrutura da Aprosoja-MT.
O ministro também determinou busca e apreensão na casa do prefeito de Cerro Grande do Sul (RS), Gilmar João Alba — flagrado com R$ 505 mil em espécie no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Ele é suspeito de integrar rede de financiamento para os atos antidemocráticos de hoje. (AF)
Para Barroso, esperança vence intolerância
Na véspera dos atos pró-governo pelo país, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fez um discurso em que pregou a esperança e falou contra a intolerância dos tempos atuais. A manifestação foi publicada em seus perfis oficiais para comemorar a chegada do ano novo judaico.
Ele não chegou a citar o presidente Jair Bolsonaro, mas fez um paralelo entre as dificuldades enfrentadas pelos brasileiros e aquelas vividas pelos judeus. “A humanidade vive tempos desafiadores, marcados pela intolerância, extremismo e por uma pandemia que já consumiu milhares de vidas. Nós precisamos, mais do que nunca, de solidariedade, fraternidade e também de alegrias”, disse.
“O povo judeu é um bom exemplo para todos de superação da adversidade. Nossa história sempre foi marcada por lutas e superação. A escravidão no Egito e na Babilônia, as destruições no templo, os horrores da Inquisição e do Holocausto. Outras civilizações pereceram por muito menos”, acrescentou.
O ministro também disse que a coragem e a determinação dos judeus são um exemplo de superação. “Haveria muitas razões para tristeza, ressentimento e amargura, mas não caímos nessa armadilha. Em lugar disso, coragem e determinação ajudaram a criar uma nação”, disse Barroso no vídeo.
Ele finalizou a mensagem prestando solidariedade “a todos que sofreram perdas afetivas nesse triste período” e disse que deseja que a sociedade possa sair do atual momento com “pessoas melhores, comprometidas com a causa da humanidade, que são a justiça, a paz e a fraternidade”.
Barroso não chegou a falar especificamente sobre os atos de hoje. Ele é um dos principais alvos dos bolsonaristas contra o STF, que virou um dos motes dos protestos que pedem o impeachment de ministros da Corte. Os atos são uma grande preocupação do tribunal.
Na semana passada, o presidente do Supremo, o ministro Luiz Fux, chegou a fazer um discurso em que disse que o STF estaria “atento e vigilante neste sete de setembro em prol da plenitude democrática do Brasil”. Os ministros deverão acompanhar os desdobramentos dos atos em suas casas e não há, segundo o tribunal, um plantão especial. Na sede da Corte, a segurança já foi reforçada, em cooperação com o governo do Distrito Federal e o Congresso.