1.000 DIAS DE GOVERNO

Bolsonaro comemora mil dias de governo com agendas pelo país e inaugurações

Planalto tentará passar imagem de avanço com cerimônia e mais uma rodada de andanças do presidente

» Ingrid Soares » Augusto Fernandes
postado em 26/09/2021 06:00
 (crédito: EVARISTO SA/AFP)
(crédito: EVARISTO SA/AFP)

Apesar da perda de popularidade, o presidente Jair Bolsonaro pretende marcar a comemoração dos 1.000 dias de governo com uma série de eventos e inaugurações para mostrar que o governo trabalha incansavelmente para superar as dificuldades — percebidas pela população na forma de disparo da inflação, com aumento nos preços dos combustíveis, da luz e do gás de cozinha, além do desemprego e dos juros em rota de subida. Para turbinar a ideia de se construir um momento virtuoso, o Palácio do Planalto divulgará um compilado de informações com análises positivas da atuação do presidente. Haverá destaque para o avanço da vacinação contra a covid-19, obras de infraestrutura e a promessa de ampliação do Bolsa Família, além de propostas para a retomada econômica e reforço no discurso anticorrupção.

Mas a ideia de fazer com um só limão uma limonada parece improvável, pois, nos quase dois anos e 10 meses de governo, o país teve de lidar com a piora em uma série de indicadores econômicos e foi duramente atingido por uma pandemia que deixou quase 600 mil mortos. Bolsonaro é apontado como o principal responsável por esses cenários, tanto que enfrenta uma rejeição cada vez maior entre a população.

Enquanto candidato, Bolsonaro chegou a afirmar no seu plano de governo que uma das estratégias, caso eleito, seria a de “adotar as mesmas ações que funcionam nos países com crescimento, emprego, baixa inflação, renda para os trabalhadores e oportunidades para todos”. Contudo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a realidade é bem diferente: são pelo menos 14,4 milhões de pessoas sem trabalho e, em 12 meses, a inflação bate na casa dos 10%.

Essa alta da inflação é puxada, principalmente, pelos preços dos combustíveis e do gás de cozinha. Em 12 meses, a gasolina acumula alta de 31,09%, o etanol de 40,75%, o diesel de 28,02% e o botijão de 13kg, de 31,7%. Os alimentos também estão mais caros, sobretudo os da cesta básica: entre setembro do ano passado e agosto deste ano, por exemplo, o valor do arroz subiu 32,68%, o da carne, 30,77%, o do café, 22,54% e o do açúcar, 37,74%. Há, ainda, a crise hídrica, que empurrou a conta de luz para as alturas

O presidente vem sendo cobrado por conta da carestia e há um sentimento de que ele não tem se empenhado para tomar atitudes que revertam o quadro atual. Mesmo assim, na semana passada, ao discursar na 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), apresentou uma versão do Brasil aos demais chefes de Estado, colocando o país como uma das melhores economias emergentes do mundo e jogando a culpa da inflação em governadores e prefeitos que adotaram medidas de isolamento para tentar impedir o avanço da covid-19.

Cenário difícil

Segundo parlamentares, no entanto, qualquer discurso do governo não será capaz de alterar o atual cenário. A avaliação no Congresso é de que Bolsonaro não pode virar as costas para a realidade do Brasil e pintar um quadro que não existe.

“O país vive uma inevitável e grave escalada da inflação. A elevação dos preços se reflete diariamente no consumo das famílias brasileiras. Estamos diante de um processo inflacionário, acompanhado de estagnação econômica. O emprego se esvai por completo. Há 17 milhões de pessoas desempregadas (pelos cálculos oficiais são 14,4 milhões) no Brasil. Só há uma saída para isso: desenvolvimento econômico”, cobra o deputado Otavio Leite (PSDB-RJ).

Na mesma linha, o deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) diz que Bolsonaro precisa dar uma resposta urgentemente. “Nós temos um país com os maiores índices de inflação, com a economia estagnada, sem crescimento, com o índice de desemprego nos maiores patamares, com 19 milhões de brasileiros sem segurança alimentar. Além disso, não há investimento público nem privado. O Brasil está se desindustrializando. Portanto, a realidade é a tragédia da carestia. A cesta básica subiu mais de 30%”, comenta.

“Os nossos inimigos são evidentes e claros. É o desemprego, é a fome, é a miséria, é a inflação. Nesse sentido, nós temos que juntar forças para vencê-los e fazer com que o Brasil volte a crescer”, acrescenta o deputado Darci de Matos (PSD-SC).

Melhorias

Na base governista, porém, a visão é bem diferente. O deputado Major Vítor Hugo (PSL-GO), ex-líder do Palácio do Planalto na Câmara, garante que os primeiros anos da gestão do presidente foram excepcionais e que o governo tem muito a comemorar. Ele cita a reforma da Previdência, o Acordo de Alcântara, a proposta de emenda à Constituição (PEC) do Orçamento de Guerra e o auxílio emergencial como importantes feitos.

“Conseguimos preservar os empregos dos brasileiros e salvar vidas, contratamos milhões de vacinas. Os desafios principais do governo foram plenamente alcançados na relação com o parlamento e no enfrentamento da pandemia nesses mais de dois anos. Avançamos na infraestrutura, leilão de portos e aeroportos, construção de pontes e ferrovias. O governo tem muito do que se orgulhar e vai avançar muito mais com a reforma tributária e administrativa”, observa.

Ele lembra que o presidente é bem recebido nas cidades por onde passa, o que mostra que a popularidade dele não é tão baixa assim como apontam as pesquisas. “Em 2018, falava-se que ele não avançaria, que desidrataria, que não passaria do primeiro turno — e, em todas as situações, venceu. Tenho plena consciência de que o governo vai seguir em frente. O Brasil segue firme para tentar equilibrar as necessidades de desenvolvimento econômico e a necessidade de preservação do meio ambiente”, diz.

Momento ruim

“Os cidadãos comemorarão os 1.000 dias com um banho rápido e com as luzes apagadas. Quando o presidente assumiu, a situação fiscal já era difícil e a pandemia a agravou. O aniversário cai em um péssimo momento. As crises institucional, econômica e social estão entrelaçadas”, afirma o diretor-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.

Ele lembra que “privatizações, reformas, cortes de subsídios e outras medidas aguardadas pelo mercado caminham a passos lentos” e comenta que o governo precisa agir para mudar esse quadro. “As expectativas também não são favoráveis. Há incertezas geradas pelo comportamento permanentemente conflituoso do próprio presidente com os outros Poderes. A ânsia pela reeleição ameaça a responsabilidade fiscal. Esses fatos não contribuem para a estabilidade e para a previsibilidade que os agentes econômicos desejam. Dessa forma, as consequências são a queda da Bolsa, a alta do dólar, a inflação ascendente, os juros futuros subindo, a fuga de capitais, os investimentos postergados e o desemprego”, alerta.

Castello Branco tem dúvidas se o presidente conseguirá contornar essas dificuldades investindo em programas populistas, como o Auxílio Brasil, e outros dirigidos a segmentos que fazem parte de sua base eleitoral — como policiais e militares.


Queda atrapalha virada no jogo

Pesquisa feita pelo banco Modalmais e consultoria AP Exata, divulgada na última sexta-feira, aponta que a reprovação do governo voltou a ultrapassar a marca dos 50 pontos percentuais. Segundo a sondagem, enquanto o índice de pessoas que avaliam a gestão Bolsonaro como bom ou ótima é de 26,9% (queda de um ponto em relação à semana anterior), as que consideram ruim ou péssima somam 50,3% (0,9%. ponto a mais) — as que dizem que o governo é regular ficaram em 22,8% (0,1% ponto a mais). Para a pesquisa, há uma tendência de piora na imagem da gestão de Jair Bolsonaro.


Périplo para marca não passar em branco

Para celebrar os 1.000 dias de governo, e dependendo do resultado do teste para a covid-19 ao qual o presidente Jair Bolsonaro se submeterá, a princípio estão marcados os seguintes eventos:

» Dia 27 – Cerimônia no Palácio do Planalto, quando o governo completa quase três anos de gestão.

» Dia 28 – O ministro das Comunicações Fábio Faria inaugura, em Mossoró (RN), a conexão via satélite que entregará internet banda larga gratuita, por meio do programa Wi-Fi Brasil. Durante o evento, Bolsonaro fará participação ao vivo, mas em videochamada. Neste dia, a expectativa é de que o presidente viaje a Teixeira de Freitas (BA), onde deverá entregar 10 km de asfalto. Na sequência, segue para Teotônio Vilela (AL), onde participará de outro evento.

» Dia 29 – Previsão é de que Bolsonaro desembarque em Boa Vista (RR), onde assinará o contrato de concessão dos aeroportos do Bloco Norte.

» Dia 30 – Presidente deverá estar em Belo Horizonte, onde visitará uma estação de metrô acompanhado do ministro de Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.

» Dia 1º de outubro – No último dia da celebração dos 1.000 dias, previsão é de que Bolsonaro se divida em duas agendas: em Anápolis (GO), onde estará para a assinatura do contrato de concessões de BRs; e Maringá (PR), para solenidade de inauguração das obras de ampliação da área operacional do aeroporto local.

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