Mesmo com a moral em baixa, o presidente Jair Bolsonaro discursou, na 76ª Assembleia-Geral da ONU, nesta terça-feira (21/9), como se tivesse feito milagres para o povo brasileiro. Para especialistas, o presidente deu um passo rumo à moderação pensando nos investidores — em comparação com os anos anteriores — mas dois para trás, quando o assunto é radicalismo.
É o que explica Felipe Loureiro, professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). Para ele, se comparados, os discursos de 2019 e 2020 foram mais radicais do que o proferido pelo presidente em 2021, mas isso não significa que o deste ano tenha sido moderado.
“Logo no início, ele fez uma menção a ter salvo o Brasil do socialismo, falou sobre os empréstimos do BNDES àqueles que ele chamou de países comunistas e em vários momentos, em vários momentos, há uma estrutura de salvacionismo emoldurada em teorias da conspiração implícitas, mas que estão ali”, destacou.
O especialista também ressaltou o radicalismo de Bolsonaro, que se mostrou presente, também, em suas falas sobre tratamento precoce para a covid-19, que não tem comprovação científica, e da distorção das competências de governos estaduais e municipais. O presidente, vale lembrar, falou que seu governo deu um auxílio de US$ 800 para aqueles “que foram obrigados a ficar em casa pelos governos estaduais e municipais” durante a pandemia.
Para Loureiro, o presidente agiu como se não fosse possível conciliar o controle do vírus e o combate à crise econômica. Bolsonaro ignorou, na avaliação do especialista, a grave crise que atinge o país e distorceu a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que dá autonomia aos estados e municípios no combate à pandemia.
Além disso, tentou atrair investidores, ao falar sobre o Brasil estar preparado para receber investimentos em transportes e infraestrutura, destacando o respeito a contratos — o que, segundo o presidente, é sinônimo de previsibilidade —, mas o tom radical foi predominante.
“Há algumas características de teorias conspiratórias, que são muito mais para jogar para a torcida do bolsonarismo do que propriamente para poder recuperar o que é muito difícil de ser recuperado, que é a imagem internacional do Brasil nesses dois anos e meio de governo Bolsonaro”, pontuou o especialista, que acredita que o mandatário preocupou-se especialmente em fazer um aceno à sua base.
Repulsor de investidores
Embora Bolsonaro tenha tentado falar diretamente aos investidores internacionais, o discurso terá efeito contrário. É o que acredita o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Juliano Cortinhas, que viu, nas falas do presidente, um discurso “distante da realidade”, no qual ele utiliza dados incorretos e faz promessas que não irá cumprir.
Isso, para Cortinhas, impacta diretamente na imagem que outros países potenciais investidores têm do Brasil. “Quando Bolsonaro opta por falar para a sua base de apoiadores e não para a comunidade internacional, ele perde uma oportunidade imensa. A ONU não é um palco para ele falar para sua base de apoiadores. É claro que ele está sob pressão, é claro que ele perdeu muito apoio, muita popularidade, mas isso não justifica ele tentar reconquistar e manter sua base de apoio interna em detrimento do interesse brasileiro na Assembleia da ONU”, afirmou.
“Os investidores internacionais estão observando os discursos, os outros líderes mundiais com os quais ele pode fechar acordos de cooperação estão observando os discursos dele. E quando ele dá um discurso desconectado da realidade, afirmando uma série de coisas que não existem no mundo real, a tendência é um afastamento cada vez maior dos líderes e dos investidores”, acrescentou.
Para o especialista, no atual cenário de grave crise econômica, o governo deveria se preocupar em atrair o interesse de investimento da comunidade internacional. O problema, segundo Cortinhas, é que a desconfiança quanto à figura de Bolsonaro é um repulsor de investidores.
“Ninguém da comunidade internacional vai investir em um país onde o presidente mente, omite dados e dá dados incorretos num ambiente tão relevante quanto o ambiente das nações unidas. Ele perdeu uma oportunidade importante”, concluiu.
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