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Relator da CPI, Renan Calheiros quer Bolsonaro indiciado por prevaricação no caso Covaxin

Senador deve culpar o presidente da República por não ter pedido uma investigação sobre o escândalo envolvendo a compra da vacina Covaxin. Amanhã, colegiado votará nova convocação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga

Augusto Fernandes
Tainá Andrade
postado em 20/09/2021 05:52 / atualizado em 20/09/2021 05:53
 (crédito: Pedro França/Agência Senado)
(crédito: Pedro França/Agência Senado)

Por mais que tenha autorização para funcionar até o início de novembro, a CPI da Covid pode chegar ao ponto máximo nesta semana. Há a expectativa de que o relator do colegiado, senador Renan Calheiros (MDB-AL), apresente o relatório final do inquérito conduzido pela comissão, no qual o presidente Jair Bolsonaro será responsabilizado por mais de um crime, dentre eles o de prevaricação, por ter tomado conhecimento de irregularidades no processo de compra da vacina indiana Covaxin mas não ter informado as fraudes a nenhuma autoridade investigativa.

Renan prometeu ler o parecer aos demais integrantes da CPI até sexta-feira. Contudo, ele pode aguardar por mais algumas semanas caso a comissão decida ouvir, pela terceira vez, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Amanhã, o colegiado votará o pedido de convocação.

O senador diz que não elaborou o relatório sozinho e que aceitou contribuições tanto de senadores quanto de grupos de estudos que se debruçaram sobre as provas encontradas pela comissão, como o parecer escrito por um grupo de juristas coordenado pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr, que imputa ao presidente uma série de condutas que configuram crime de responsabilidade.

O documento afirma, por exemplo, que a preferência de Bolsonaro em manter o funcionamento da atividade econômica em meio à crise sanitária e incentivar a população a fazer uso de remédios sem eficácia comprovada e com graves efeitos colaterais, em vez de coordenar estratégias eficazes de enfrentamento à pandemia, evidencia “o descaso para com a saúde e a vida dos brasileiros”, com o presidente “fugindo à responsabilidade de promover a adoção de medidas de precaução”.

“É evidente que nós teremos crimes comuns — são muitos os crimes comuns —, crime de responsabilidade, crime contra a vida e contra a humanidade. Mas nós vamos fazer isso com critério, com responsabilidade. Nós não vamos, incoerentemente, querer atribuir um número máximo de crimes apenas para penalizar as pessoas publicamente”, destaca Renan.

“Nós estamos imaginando um relatório com vários encaminhamentos. Nós queremos fazer escolhas acertadas, para que esse relatório tenha uma consequência rápida na Procuradoria-Geral da República e, também, no Tribunal Penal Internacional”, acrescenta o relator da CPI.

Presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM) tem a mesma expectativa de Renan. “Que ele tenha muita sabedoria, para que a gente possa ter um relatório consistente, um relatório embasado em fatos e provas, para que a nação brasileira saiba que o trabalho que fizemos durante esses meses servirá para que o Brasil não cometa os mesmos equívocos se, infelizmente, tivermos uma nova pandemia. A gente não deseja isso para ninguém. Um mundo de cabeça pra baixo. O Brasil destoando das principais lideranças na condução da pandemia”, frisa.

Impeachment

O relator da CPI espera que o parecer final possa servir de base para um pedido de impeachment contra Bolsonaro. Segundo ele, é necessário uma atualização da lei que versa sobre o impeachment, de modo que passe a existir um prazo para a avaliação dos pedidos. Atualmente, há pelo menos 131 processos paralisados na Câmara aguardando a deliberação do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

“O presidente da Câmara dos Deputados precisa despachar os pedidos de impeachment. Ora, se ele for a favor, ele faz um despacho favorável. Se ele for contra, ele faz um despacho contrário. Ele não pode é se omitir, deixar de despachar, porque desse despacho dele caberá recurso ao plenário da Câmara”, afirma Renan.

Integrante da CPI, o senador Humberto Costa (PT-PE) diz que a comissão não deve “debater ou fazer um impeachment”, mas concorda que tem o dever de mostrar os crimes cometidos por Bolsonaro e encaminhá-los para Lira. Ele também é a favor de alterações na lei do impeachment por entender que “uma coisa necessária” não pode ficar refém da “solução de uma pessoa só, que controla todo o processo”.

Irresponsabilidade

Além do estudo de Miguel Reale Jr, um levantamento comandado pela pesquisadora Deisy Ventura, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Conectas Direitos Humanos, reforça a tese de irresponsabilidade cometida pelo presidente.

O “Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à covid-19 no Brasil” analisou uma série de atos normativos e propagandas feitas pelo governo federal durante a pandemia e concluiu que existia um plano para que a população se expusesse à covid-19 de forma intencional, o que contribuiu para o alto número de óbitos pela doença.

“É inaceitável. O negacionismo do governo é apenas um dos elementos de uma estratégia muito mais complexa que envolveu diversas autoridades federais, como o Ministério da Saúde e o Ministério da Economia”, pondera Deisy.

“Houve uma interpretação política, em resposta à pandemia, que excedeu qualquer racionalidade. O comportamento de muitos brasileiros e, principalmente, do governo federal, foi um comportamento irracional. É inadmissível”, acrescenta.

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Quatro perguntas para

Deisy Ventura, pesquisadora e professora em direito sanitário da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do estudo "Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à covid-19 no Brasil".

 (crédito: Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo)
crédito: Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo

Qual a importância de estudos como o “Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à covid-19 no Brasil” para os trabalhos de uma CPI?
Nós podemos dizer tranquilamente, com base nas provas que coletamos, que existia um plano sistemático do governo federal para que a população se expusesse ao novo coronavírus, com a ilusão de que ela iria adquirir a “imunidade de rebanho” por contágio — que é absolutamente falso do ponto de vista científico e ético. É inaceitável. Mesmo que essa imunidade de rebanho por contágio existisse, teria um custo em vidas humanas que é inadmissível. Nós não podemos permitir centenas de milhares de mortes evitáveis. O negacionismo do governo é apenas um dos elementos de uma estratégia muito mais complexa que envolveu diversas autoridades federais, como o Ministério da Saúde e o Ministério da Economia. Havia um plano sistemático que colocou em risco a vida da população brasileira e causou, de fato, a morte de milhares de pessoas.

Qual é o impacto direto desses atos na vida das pessoas?
Em saúde pública, é importante entender que as declarações das autoridades têm uma relevância muito grande, ainda mais quando se trata de uma doença infectocontagiosa, cujo controle depende do comportamento humano. Ou seja, grande parte do controle da doença depende de ações de governo. Mas uma outra parte fundamental, imprescindível, é de que as pessoas se comportem de acordo com as recomendações. Isso é basilar na saúde pública. Durante a emergência, qualquer manual de comunicação de risco tem como primeiro ponto a confiança nas autoridades. Então, a disseminação de notícias falsas, a divulgação de estudos falsos, de informações técnicas falsas, a minimização da gravidade da doença e negação, fazem parte de um conjunto de estratégias de comunicação pelas quais o governo encorajou a população a não obedecer às recomendações das autoridades estaduais e municipais. Isso por si só é uma catástrofe. E mais, o governo federal procurou colocar a resposta à covid em uma clivagem ideológica, quase plebiscitária: “Se você aprova o governo: use cloroquina, não cobre a compra de vacina, não fique em casa, faça passeatas e carreatas contra o governo estadual ou o governo municipal”. Houve um conjunto de ações sistemáticas, organizadas, no qual as autoridades federais estavam envolvidas, e levava a população a ficar confusa em relação a outras recomendações ou, simplesmente, levava a aderir a essa propaganda do governo federal. Temos relatos de familiares de pessoas que dizem claramente que seu parente deixou de se vacinar por acreditar em notícias falsas distribuídas por apoiadores do governo ou por acreditar no próprio presidente de que a cloroquina funcionaria.

Quais os riscos de transformar um assunto científico em político?
Nós podemos ter opiniões variadas sobre as estratégias de contenção da propagação de doenças como a covid-19. O que não podemos tolerar é tratar um assunto de saúde pública como opinião. Não é opinião. É crime alguém que se recusa a conter a propagação da doença. Então, existe uma diferença enorme entre governadores, prefeitos, autoridades que divergiram sobre qual era a melhor forma de controlar e as autoridades federais que estavam agindo para propagar a doença. O presidente da República e incontáveis autoridades federais se deslocaram pelo território nacional durante toda a pandemia e encorajaram a formação de aglomerações em algumas localidades, incitando a população a não utilizar a máscara e a desrespeitar outras formas de proteção, como o distanciamento físico. Por isso, não podemos confundir com opinião propagar epidemia. Isso é crime. É preciso haver essa clareza.

A postura do presidente diante da pandemia foi prejudicial ao próprio governo?
Houve uma interpretação política em resposta à pandemia que excedeu qualquer racionalidade. O comportamento de muitos brasileiros e, principalmente do governo federal, foi um comportamento irracional. É inadmissível. Se mostrou desastroso. O que aconteceu no Brasil é absolutamente vergonhoso. O Brasil deveria ter dado uma resposta exemplar, assim como já teve em relação ao controle de outras doenças. O que nós tivemos foi uma ideia de que a redução da atividade econômica poderia causar prejuízo eleitoral ao presidente, que está em campanha eleitoral pela reeleição desde o primeiro dia de seu mandato. Essas centenas de milhares de pessoas foram sacrificadas por razões eleitorais. Ao meu juízo, essa foi uma avaliação completamente equivocada, porque se o Brasil tivesse tido a resposta exemplar à pandemia, a população estaria contente, orgulhosa e isso, na verdade, teria melhorado as chances do presidente nas eleições do ano que vem. Na verdade, houve um péssimo assessoramento do presidente, simplesmente pelo fato de que esse governo não valoriza os especialistas, a área de saúde pública, os professores e os educadores. Ele prefere ouvir apenas o que ele quer ouvir.


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