Embora não seja integrante da CPI da Covid, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) tornou-se uma das mais duras inquiridoras do colegiado, desmontando versões — como a do documento apresentado pelo então ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, relacionado à compra da vacina indiana Covaxin e repleto de erros de grafia em inglês e de tradução para o português — e conseguindo confissões — como a do deputado Luís Miranda (DEM-DF), que citou o nome do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), como chefe de um suposto esquema de corrupção dentro do Ministério da Saúde. Isso a projetou de tal forma que hoje, é vista como potencial candidata do seu partido à Presidência da República, em 2022.
Mas, se Simone ainda analisa as opções para seu futuro político, para o presidente está o fechamento do relatório final da CPI, que listará todos os crimes cometidos por Jair Bolsonaro e alguns dos seus auxiliares na condução da pandemia de covid-19. A senadora é taxativa: a lista de ilicitudes do presidente da República é vasta, documentada e suficiente para abrir um processo de impeachment.
“Tudo foi tipificado, temos uma lista de crimes — de responsabilidade e comuns — que envolvem o presidente e o seu entorno. Acho difícil a gente abrir mais uma frente. A CPI precisa dar uma satisfação à sociedade”, observou, ontem, em entrevista ao CB.Poder, parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília.
Porém, para ela, se as condições técnicas do impeachment estão claras, as políticas, ainda não. Segundo Simone, é preciso que a pressão popular, gente nas ruas, algo que ainda falta para que o impedimento de Bolsonaro ganhe tração.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
Esta semana, a CPI da Covid anunciou a convocação de Ana Cristina Valle, ex-mulher de Jair Bolsonaro. A comissão deve entrar mais nesse caminho de investigar a família do presidente da República ou a senhora acha que o que foi apurado está de bom tamanho, e é hora de fazer o relatório?
Infelizmente, não teremos tempo hábil para avançar em toda a teia de trama que foi armada no combate à pandemia. Na verdade, a CPI tinha um objetivo que já foi cumprido em sua primeira fase, que é analisar o que o país fez de diferente do resto do mundo — e foi comprovado que houve omissão dolosa do governo federal. Não só no atraso das vacinas, mas havia toda uma estratégia de disseminação e contaminação do vírus pela população para que adquirisse a tal imunidade de rebanho. Tudo foi tipificado, temos uma lista de crimes — de responsabilidade e comuns — que envolvem o presidente e o seu entorno. Acho difícil a gente abrir mais uma frente. A CPI precisa dar uma satisfação à sociedade. Mas nada impede que, no relatório, tenha elementos presentes para que uma nova CPI, ou encaminhar para o Ministério Público para que o órgão faça seu papel.
Muitos senadores dizem que há intenção de levar o presidente ao Tribunal Penal Internacional, em Haia. Isso será feito?
Foi uma sugestão do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) para que eu e ele procurássemos alguns juristas de todas os matizes ideológicas. Tivemos, quarta-feira, uma reunião virtual com uma banca de advogados comandada pelo professor Miguel Reale. A conclusão dessa primeira banca apresenta três tipos de crimes e, portanto, três foros competentes de julgamento: o crime de responsabilidade, que seria de iniciativa da Câmara dos Deputados em um possível afastamento do presidente da República; crimes comuns, que o Ministério Público vai analisar se vai denunciar os personagens envolvidos; e, também, uma possível denúncia nas cortes internacionais. Temos mais outras duas bancas e, dependendo de seus pareceres, a ideia é provavelmente fazer essa denúncia.
A senhora citou, também, os crimes de responsabilidade do presidente que podem vir no relatório da CPI. Mas já existem centenas de pedidos na Câmara dos Deputados que não caminham. Como isso será trabalhado dentro do Congresso Nacional?
No caso da condução do governo federal na pandemia, nós temos mais do que mera suspeita. Temos prova de que houve crime de responsabilidade, especialmente no item relacionado à saúde pública e à pandemia. Então, havendo os elementos jurídicos, precisamos de ambiente político. Isso depende de dois fatores: a popularidade do presidente, que está muito relacionada à economia; e o mais importante, que ainda está faltando — precisamos do povo na rua, manifestações populares. Se não tivermos a noção de que a população quer impeachment, dificilmente a Câmara dos Deputados vai se mover. Se tivermos uma grande mobilização, uma em outubro e outra em novembro, com a oposição unida, é muito difícil que o Congresso Nacional consiga segurar o impeachment também por conta da recessão que está chegando e o número absurdo de pessoas que voltaram a passar fome no Brasil.
O seu próprio partido, o MDB, está dividido em relação à proposta de impeachment. O ex-presidente Michel Temer falou ao CB.Poder, na última segunda-feira, que não é o momento de um processo como esse. Como a senhora vê isso?
O MDB está dividido como todos os partidos estão. Ainda não temos o termômetro das ruas. O ex-presidente Michel Temer, constitucionalista que é, sabe que existem elementos jurídicos, tanto que não nega. Ele está dando uma análise política. Já temos alguns elementos políticos que propiciam o impeachment, como a economia começando a entrar em declínio, mas ainda não temos o elemento mais forte, que é a decisão da opinião pública. Uma coisa é mostrar que a maioria da população brasileira rechaça o atual presidente, outra é analisar realmente se a população quer a abertura do processo de impeachment no Congresso. Particularmente, acho que quer, mas entre o querer e se manifestar, sempre há um timing.
No último dia 12, um pedaço da oposição foi à rua sem uma grande mobilização. Agora, quem está convocando manifestações é o PT, para 2 de outubro, e o partido Novo já declarou que não vai participar. O que falta para a oposição se unir?
Democracia é isso: exige diálogo, paciência, respeitar quem pensa diferente. É preciso entender por que o Novo não vai às manifestações convocadas para o dia 2, como foi preciso entender por que o PT não estava nos palanques das manifestações do dia 12. Tudo na política é construção. Construção significa que, para unir os diferentes, é preciso achar uma convergência, deixar nossas divergências de lado e olhar para o que temos de mais essencial e convergente. O que une a maioria da população brasileira, e praticamente toda classe política, é a democracia. Há um consenso entre os partidos de que há um ataque constante à imprensa livre, aos outros Poderes da República e aos pilares da democracia. Temos esse consenso; o que falta, agora, é um diálogo para entender como caminharemos juntos. Acredito que, no dia 2, não será possível unir direita e esquerda. Mas tenho total consciência de que é possível estarmos juntos nas ruas no dia 15 de novembro, quando tivermos mais elementos do relatório da CPI e, infelizmente, tivermos números mais tristes ainda na economia, decorrentes da crise institucional e política criada pelo presidente da República.
A senhora ainda vê perspectiva de diálogo com o atual governo para sairmos da crise em que estamos?
Há um ditado que diz que quando um não quer, dois não brigam. Mas, quando um não quer, dois não conversam — você não tem um diálogo, tem um monólogo. O Congresso está cansado de falar sozinho. Estamos cansados de alertar o presidente da República; estamos cansados de falar sozinhos em nome da Nação. Ele tensiona a todo momento; fala que vai parar e, no outro dia, faz igual, senão pior.
Vimos que houve uma participação efetiva da bancada feminina em termos de voz na comissão, apesar de não poder votar. Daqui para frente, como vai ser essa participação das mulheres?
Teremos, na semana que vem, uma reunião da bancada feminina e o primeiro item da pauta é esse. Um projeto da senadora Elisiane Gama (Cidadania-MA) estabelece que nas comissões permanentes ou temporárias, quando os líderes não indicarem uma mulher, se abra pelo menos uma vaga de titular e suplente para que a bancada feminina possa ter voz. É inadmissível que a mais alta corte do legislativo brasileiro não tenha voz feminina em questões importantes como a CPI, principalmente em um país onde a maior parte da população é composta de mulheres.
A senhora vem sendo citada como pré-candidata do MDB à Presidência da República. Vai se apresentar para a Presidência ou vai ser candidata à reeleição pelo Mato Grosso do Sul?
O homem público, a mulher pública, não pode escolher suas missões. Elas não são escolhidas, têm que ser cumpridas. Ainda não conversei com o MDB. Já fui sondada, sim, por alguns líderes do partido. Entendo, primeiro, que é óbvio que a Executiva precisa se manifestar. Sempre disse que a gente só tem que tratar de eleição faltando um ano para ela, e já estamos quase nesse prazo. Estaremos conversando até o final de setembro sobre essas duas possibilidades — primeiro, se o MDB vai apresentar uma candidatura como terceira via, e se serei eu essa candidata. Acredito que em, no máximo em três semanas, teremos essa resposta.
* Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi
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