A CPI da Covid colocou o empresário Marconny Albernaz Faria, que prestou depoimento ontem, bem perto de Jair Bolsonaro, ao expor suas relações com personagens do seu círculo mais próximo. Ele negou ser lobista, mas ficou claramente desconfortável ao ser indagado sobre o relacionamento que tem com Karina Kufa, advogada do presidente da República; com Jair Renan, o filho 04; e sua mãe, Ana Cristina Valle — que será chamada a prestar depoimento ao colegiado. A desconfiança dos senadores é de que Marconny atue como articulador de um grupo de pessoas próximas a Bolsonaro que praticam tráfico de influência em vários setores do governo federal.
Além disso, a CPI quer saber quem é o senador, citado por Marconny em uma de suas conversas, que “destravaria” a compra de testes rápidos para a detecção da covid-19 pelo Ministério da Saúde — negociação que foi cancelada e que tornou a Precisa Medicamentos alvo da Operação Falso Negativo, que apurou fraude em vendas desses equipamentos superfaturados e de baixa qualidade. O empresário disse que não se lembrava quem era o parlamentar, nem se era homem ou mulher. Por isso, a senadora Leila Barros (Cidadania-DF) pediu que a Polícia Legislativa levantasse o registro de todas as entradas de Marconny na Casa, quando se poderá saber o gabinete do senador visitado por ele.
“Você é um caso claro que parece, mas não é. Tem uma relação extremamente próxima na classe política, tem contato, uma empresa que faz trativas políticas, conversa com a área empresarial, com vários políticos, tem citações de vários senadores. Você fala claramente que tem atuação junto a alguns políticos, mas você fala categoricamente que não é lobista”, ironizou a senadora Eliziane Garcia (Cidadania-MA).
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Atuação vaga
Dizendo vagamente que sua atividade profissional era de “assessoramento técnico-político”, que faz “análise de estudos de viabilidade política”, Marconny escudou-se todo o tempo no habeas corpus obtido no Supremo Tribunal Federal (STF) — que permitiu que se calasse para evitar a autoincriminação. Mas os senadores estavam com todas as conexões de Marconny mapeadas, pois receberam do Ministério Público Federal do Pará uma série de conversas encontradas no celular dele, apreendido na Operação Parasita.
Foi por meio dessa ação da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU) que se descobriu a influência de Marconny, que indicou o diretor do Instituto Evandro Chagas (IEC), em Belém, vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde do ministério. Aqui veio à tona o relacionamento dele com Karina Kufa, que teria feito a ponte para que a indicação chegasse a Bolsonaro. A advogada deporia hoje, mas foi transferida para data a ser definida — no seu lugar, será ouvido o diretor-executivo da empresa Prevent Sênior, acusada de obrigar médicos a aplicarem o “tratamento precoce” contra a covid-19.
Karina também teria atuado junto ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), a pedido de Marconny, para a indicação de Leonardo Cardoso ao posto de defensor público da União. Da mesma forma, o empresário teria feito contato com Ana Cristina Valle para que reforçasse o nome para a vaga — ela acionou o atual ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge Oliveira. O esforço foi em vão, pois Bolsonaro escolheu Daniel Macedo para o cargo.
O contato com Ana Cristina e o filho dela também foi motivo de indagações pelos senadores. No caso do filho 04 do presidente, limitou-se a dizer que “ele queria criar uma empresa de influencer e eu só apresentei para um colega tributarista que poderia auxiliar na abertura da empresa”. Porém, o relacionamento entre eles parece ser mais profundo, pois Marconny festejou seu aniversário no camarote de Jair Renan, no Estádio Mané Garrincha — conforme expôs o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
“A relação próxima (de Marconny) com a ex-esposa do senhor Jair Bolsonaro deve ser amplamente esclarecida, com vistas a examinar potencial atuação ilícita de ambos no contexto da pandemia”, disse Alessandro.
Por conta do episódio no Instituto Evandro Chagas, o ministro da CGU, Wagner Rosário, será convocado para depor, conforme afirmou o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM). O anúncio foi feito após o senador descobrir que a controladoria participou da operação que apreendeu o celular de Marconny — que, ao final da sessão, passou da condição de testemunha para a de investigado.
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Lista de crimes
Coordenado pelo ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Jr., um grupo de juristas entregou, ontem, à CPI da Covid um parecer no qual lista crimes cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro durante a condução da pandemia. Entre eles, estão crimes de responsabilidade — contra a administração pública, contra a saúde pública, contra a paz pública e contra a humanidade —, advocacia administrativa, prevaricação, charlatanismo e corrupção passiva.
O grupo afirma no documento que o “presidente prejudicou e retardou o acesso à saúde pública que é constitucional” e que esses são “elementos suficientes para um pedido de impeachment”. O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), indicou que o conteúdo do parecer fará parte do relatório final, previsto para ser finalizado entre os dias 23 e 24 de setembro. A intenção é que as evidências pressionem o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a abrir o impeachment contra Bolsonaro.
Em reunião online organizada no gabinete de Renan para esclarecer as dúvidas sobre o parecer, foi sinalizada a intenção de denunciar o presidente da República ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda. O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), perguntou aos juristas quais seriam os caminhos para a comissão executar a ação.
Segundo Helena Regina Lobo, uma das juristas que elaboraram o parecer, há três opções: a denúncia pode ser feita pelo Estado, pelo conselho de segurança e a última seria por pessoas ou grupos.